quarta-feira, 18 de março de 2009

Stefan Winter



Stefan Winter, o homem por detrás da editora alemã Winter & Winter, estudou música durante muitos anos mas, segundo afirma, nunca lhe passou pela cabeça ser músico. Sempre quis, isso sim, estar ligado à música, promover espectáculos, editar discos. Por isso, após uma breve experiência como cozinheiro e gerente de um restaurante que pertencia aos pais, foi oferecer-se como voluntário a algumas editoras discográficas, a fim de aprender o «métier». Mas o melhor é deixar ser ele próprio a contar a história, nesta entrevista realizada no ano 2000.

Embora tenha tido uma formação clássica, a sua carreira surge associada ao jazz. Como é que isso aconteceu?
Estudei música na minha juventude, num colégio que era um antigo mosteiro situado perto da fronteira com a Áustria. Mas nunca toquei em público, nunca quis ser músico, embora quisesse estar ligado a esse mundo. Quando saí da escola, aos 19 anos, tirei um curso de cozinheiro e tomei conta do restaurante dos meus pais, porque tinha que começar por algum lado. Ao fim de um ano voltei a estudar música, primeiro em Colónia, depois em Berna. E dei por mim apaixonado pelo jazz.

Qual foi o primeiro disco de jazz que o marcou?
Unity, de Larry Young. Outro disco muito importante para mim foi Somewhere Before, de Keith Jarrett, com Paul Motian e Charlie Haden. Atrás desses dois discos vieram outros e comecei a ficar obcecado por um certo tipo de jazz, mais contemporâneo. Ofereci-me então como voluntário às editoras discográficas cujo trabalho admirava. Na ECM perguntaram-me o que queria fazer, disse-lhes que queria trabalhar à borla durante uns anos para aprender o ofício, porque queria criar, também eu, uma etiqueta discográfica. Disseram-me que era maluco e não me ligaram nenhuma. Mas o Matthias Wincklemann da Enja decidiu dar-me uma oportunidade, mesmo contra a opinião de Horst Weber, seu sócio na altura. E foi assim que trabalhei durante dois anos e meio para a Enja.

À borla?
Quase à borla. Com o que me pagavam nem sequer podia pagar a renda da casa. O meu pai disse que eu era maluco, mas eu expliquei-lhe que aquela era a minha universidade.

E fazia o quê na Enja?
De tudo um pouco. Comecei por organizar-lhes o armazém. Um dia disse-lhes que gostava de começar a produzir discos. O Matthias concordou, mas eu exigi ser director de uma colecção à parte, e ele propôs-me um nome: Enja Today. O sócio não concordou. Disse: «Isso quer dizer que nós somos Enja Yesterday.» Ficou Enja Jazz Music Today...

Ou seja, Enja JMT. Sei que o primeiro álbum que produziu tinha o John Scofield e correu mal...
Os músicos quiseram gravar ao vivo e foi o que fizemos durante três noites num clube de jazz de Zurique, com um engenheiro de som com o qual ainda hoje trabalho. Mal fizeram a sua parte, os músicos receberam o seu dinheiro e desapareceram. Quando quis fazer as misturas e a edição, ninguém quis saber disso. Pedi a ajuda de Scofield para reeditar alguns temas e ele disse-me para eu fazer como quisesse. Reeditei de tal modo alguns dos temas que não têm nada a ver com o que foi gravado. Apesar disso, o John Scofield achou que estava óptimo.

Não foi uma experiência assim tão má, no fim de contas.
Não era assim que eu queria trabalhar. Eu queria trabalhar com músicos empenhados nos seus discos. Essa experiência serviu-me de lição: hoje só trabalho com músicos que sabem o que querem. Foi assim que encontrei o Steve Coleman e o desafiei para gravar quando ninguém lhe ligava nenhuma. Encontrei a Cassandra Wilson e o Greg Osby e toda essa gente, com quem tive muito prazer em trabalhar e que se tornaram músicos famosos graças à sua criatividade e capacidade de trabalho.

O Steve Coleman foi o primeiro músico a gravar para a sua etiqueta JMT.
Na realidade gravei o seu primeiro disco para a Enja. Por essa altura, o Matthias Winckleman e o sócio começaram a desentender-se e eu não quis ficar no meio da disputa. Como o disco já estava gravado, perguntei ao Steve Coleman se queria que o disco ficasse na Enja ou se preferia que fosse editado por mim. Ele respondeu-me: se vais ter a tua própria editora, alinho contigo. Assim nasceu a JMT. De uma maneira muito fácil, pois tive o apoio do responsável pela Polydor no Japão. Foi ele quem me encomendou documentários sobre música clássica. Como já trabalhava com o Uri Caine, propus-lhe usar o filme sem som para gravar por cima com o seu grupo. Ele aceitou o desafio e organizámos um concerto em Nova Iorque para o décimo aniversário da JMT, onde anunciei que a JMT acabava ali, mas que ia criar uma nova editora, a Winter & Winter.

E vendeu a JMT à Polygram!
A verdade é que, entretanto, tínhamos realizado muitas co-produções com a Polydor. E eles queriam ficar proprietários dos primeiros discos, que não tinham co-produzido. Eu cedi-lhes esses direitos e o nome JMT. Mas vou dar-lhe uma notícia em primeira mão: estou neste momento a negociar com eles a compra de todo o catálogo JMT. Gostava de voltar a editar todo o catálogo que está esgotado, remasterizado e com novas capas. A um ritmo de dois, três títulos por mês. Já tenho um acordo de princípio com os actuais responsáveis da Polygram e da Polydor Japão, mas nunca se sabe. Hoje são Universal, amanhã são Seagram... ou outra coisa qualquer.

Qual é o melhor mercado para si actualmente: Japão, Estados Unidos ou Europa?
Depende. Para cada disco é diferente. Alguns funcionam muito melhor num continente do que noutro. Mas os discos do Uri Caine funcionam bem em todo o lado. Por mim, considero-o como um ponto de viragem na história da música do nosso tempo. Dentro de 10 ou 20 anos ele continuará a ser tão importante, senão mais, do que é hoje. No século passado, a classe média tinha uma influência determinante na música clássica, os aspectos técnicos sobrepunham-se aos puramente musicais. A música barroca é muito mais livre. Scarlatti, sobretudo nos tempos em que viveu em Espanha, era um espírito totalmente livre, cuja música ia a contracorrente do «establishement». O Uri faz a ponte entre a música improvisada e a clássica. No século XX, muitos compositores procuraram reinventar a música, mas estavam presos ao sistema que os obrigava a dar concertos e a escrever para instituições conservadoras que só admitiam a novidade até certo ponto. Graças ao Uri é hoje normal um gambista estar sentado ao lado de um músico de jazz e de um DJ e todos estarem unidos pela mesma música. Curiosamente, nos últimos anos tenho reparado que os promotores e os críticos ligados à música clássica estão mais abertos a estas experiências do que os críticos de jazz.

Talvez porque o público da clássica esteja farto de ouvir sempre as mesmas obras, tocadas da mesma maneira.
Exactamente. As pessoas querem ouvir algo novo. Mas ainda há críticos influentes que declaram que músicos de jazz não deveriam ser autorizados a tocar Mahler, por exemplo. Eu acho que eles nunca compreenderam a música de Mahler, nem o que ele procurou fazer.

O que é que sente quando uma artista como a Cassandra Wilson troca a sua editora por uma multinacional?
Fico feliz, se vejo que é bom para a sua carreira. Mas fico desiludido quando vejo que os artistas deixam de evoluir ou começam a fazer concessões comerciais.

Porque se afastou o Tim Berne?
Acho que se afastou por orgulho, para provar que conseguia desenvolver a sua carreira e a sua música sozinho. Mas por muito bom que ele seja, precisa de alguém que o complemente, que veja o outro lado das coisas. É bom ter alguém que está ao mesmo nível do que nós, com quem poder discutir aquilo que queremos fazer. Eu vejo o papel do produtor como um reflector, alguém capaz de discutir as ideias para as tornar mais claras ou mais elaboradas. Na minha opinião, Tim acha que a liberdade consiste em não saber para onde caminhamos. No caso da Cassandra Wilson - e agora vou ser mauzinho - acho que as pessoas vão perceber daqui a uns anos que os cinco primeiros anos da sua carreira foram os melhores. Os seus últimos discos são bonitos, tiveram sucesso, mas acho que não estão à altura dos primeiros.

E Steve Coleman?
É a excepção à regra. Ele é dos músicos realmente poderosos da cena actual.

Continua a interessar-se por jazz?
Sim, claro. Só me aborrecem aqueles músicos que não evoluem. Não consigo compreender como é que músicos com 18 ou 20 anos, no ano 2000, continuam a tocar à maneira de Nat Adderley, por exemplo. Continuo a achar que é bom se o público não compreende a cem por cento a música de um disco ou de um concerto. É bom que o público se coloque questões, como «O que é que ele está a fazer? O que quer dizer? Onde é que ele quer chegar?» Não me aflige nada que as pessoas fiquem irritadas com os artistas. Considero isso um bom sinal.