
An Acrobat's Heart
ECM, 2000
Anette Peacock é uma personagem misteriosa, até mesmo para os seus (poucos) fãs. Verdadeira figura de culto em certos meios muito restritos do jazz, ela gravou uns discos nos anos 70 e 80 que hoje dificilmente se conseguem encontrar, e desapareceu. No final dos anos 90, a pianista norte-americana Marilyn Crispell dedicou-lhe integralmente um duplo álbum, que teve excelentes críticas no mundo inteiro. A esse bom acolhimento se deve, muito provavelmente, o reaparecimento de Anette Peacock no ano 2000, precisamente na editora de Manfred Eicher, em que ela se faz acompanhar por um quarteto de cordas. Primeira constatação: a sua voz permanece tão carismática quanto era. É uma voz como que "rachada", ferida. Uma voz como uma lâmina, mas acariciadora, que aqui canta letras quase infantis, inocentes, doces. Também a música dir-se-ia feita de farrapos, de nuvens. Solta-se, paira e desvanece-se para logo voltar a arrancar-nos do doce e emocionado torpor em que nos mergulha. Uma e outra e outra vez ainda, como um sonho recorrente de onde não quisessemos sair mais. Percebe-se a metáfora do coração do acrobata e lembramo-nos de Kafka e do seu artista dos céus que não queria descer à terra. Este disco não se parece com nenhum outro. Depois dele, Anette Peacock não precisa de gravar mais: tudo o que ela sempre quis dizer está aqui, por palavras e por música. E é comovente e belo.