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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Ildo Lobo



Ildo Lobo, falecido prematuramente em 2004, com 50 anos de idade, foi durante quase duas décadas a voz dos Tubarões, o lendário grupo cabo-verdiano. Lançou-se a solo, em 1997, com um disco intitulado Nós Morna, muito bem acolhido pela crítica internacional. Em 2001, lançou Intelectual, onde para além de novas mornas belíssimas, interpreta uma balada e algumas coladeiras. Tive a sorte de ter conversado várias vezes com ele, porém esta foi a única entrevista que lhe fiz de gravador na mão.

A capa do disco induz em erro, com aquele título e aqueles recortes de jornal relacionados com a independência das ex-colónias portuguesas...
A ideia foi minha, mas o que eu queria eram artigos de jornal sobre matérias relacionadas com intelectuais. Não tinha nada a ver com a colonização ou a independência. Eu não queria o meu rosto na capa, como acabou por sair, mas um desenho de alguém com aquelas características que geralmente associamos aos intelectuais... uma figura com aqueles oculozinhos redondos a ler o jornal. Os recortes dão uma conotação política, que não estava nas minhas intenções. Não passa de um mal entendido. Se calhar, a própria editora não percebeu bem. Aliás o meu disco não é virado para os problemas políticos, mas para os problemas sociais de Cabo Verde.

O Ildo não se assume, pois, como intelectual?
Eu não. Por aquilo que eu entendo como intelectual, vai uma distância grande. Sou uma pessoa curiosa, que gosta de ler, mas tenho a consciência que não sou um intelectual.

Agora que a situação mudou em Cabo Verde, que o PAICV, o seu partido, voltou ao poder, o Ildo tem algum papel ao nível de política cultural? As coisas vão mudar a esse nível?
Eu tenho tido sempre um papel, mas a nível da sociedade e do povo. Encargo oficial não tenho, nem nunca tive. O próprio país nunca teve uma orientação na área musical, definida, nem traçada. Nós trabalhamos naquilo a que eu costumo chamar uma selva: cada um por si e Deus por todos. Sem legislação, sem nada.

Precisamente por isso, o Ildo que tem alguma influência junto do seu partido, não podia ter aí um papel importante a desempenhar?
Gozo da credibilidade dos jovens. Eu e alguns colegas. Nós estamos neste momento numa luta de «obrigar», em bons termos, o Estado a criar as condições para que haja definição na área cultural e musical no país. A nossa obrigação é exigir que se criem condições. Mas o nosso país tem problemas mais permentes para resolver, por isso vamos dar um tempo ao governo, para a resolução desses problemas económicos que, normalmente, são primordiais. A verdade é que os primeiros contactos dizem que há agora uma abertura completamente diferente para essa questão.

Até porque a música tem um aspecto cultural e artístico, mas também é uma vertente económica e financeira importante. Cria postos de trabalho e, pelo menos potencialmente, pode ser uma fonte de receitas para o país.
Aí é que está. Por exemplo: ao receber os meus direitos de autor através da França, eu recebo menos um terço do que devia. Isto porque não há nenhuma Sociedade de Autores em Cabo Verde com um protocolo com a França. Havendo esse protocolo, o dinheiro seria transferido para o país do artista. Aí há prejuízo económico para o país, tanto como para o artista. Em vez de pagar impostos a Cabo Verde, eu pago à França. E como eu, muitos cabo-verdianos. A música cabo-verdiana é um potencial económico, só que é preciso sermos nós a segurá-lo. Assim, em vez de andarmos a exportar a nossa música, andamos a importá-la. Andamos a importar aquilo que é nosso. A mim simplesmente – com tantos anos de batalha – revolta-me.

Daí o Ildo ter o projecto de uma editora cem por cento cabo-verdiana? Em que pé é que isso está?
É um desejo e uma necessidade. Estou na fase da criação do processo em termos jurídicos porque penso funcionar já a partir do próximo ano. Até porque há pessoas interessadas em criar condições de gravação em Cabo Verde. Seria uma grande vantagem porque nem toda a gente tem condições económicas para ir gravar lá fora. Há coisas típicas muito lindas para gravar.

Como é que vê neste momento a situação da música em Cabo Verde. Por um lado há essas coisas típicas de que fala, mas por outro há uma grande invasão de músicas importadas como a tecno, o rap, a música pimba...
Quem nos vai livrar dessa aculturação que estamos a sofrer é a criação de condições de trabalho sérias. Para combater a invasão do pimba, há que criar infra-estruturas: salas de espectáculo, por exemplo. Nós estamos num país que não tem uma sala de espectáculos. A única sala que temos utilizável é a sala da Assembleia Nacional. E o povo cabo-verdiano é um grande consumidor de música, principalmente de rádio e de cassetes, que ouve no carro ou enquanto está a trabalhar. Outra coisa é uma forma de ensinar. A educação musical. Não falo em Conservatórios, mas em escolas para os primeiros anos, como fazem alguns países. Uma criança de cinco anos que começa a aprender a tocar guitarra está também a aprender a estar no mundo e na sociedade. E como está ocupado não vai fazer asneiras. A palavra essencial na música é paixão. Uma pessoa começa a ficar apaixonada pela música e vai querer desenvolver isso o resto da sua vida.

Periodicamente, fala-se de um regresso dos Tubarões. Alguma vez isso vai acontecer?
Já tive essa esperança, mas hoje em dia já nem quero lembrar-me disso. Já houve várias tentativas mas não resultaram. Tudo na vida tem um fim, mas tenho pena porque os Tubarões deviam ter um fim mais digno. A prova de que tínhamos um nome grande, é que ainda não caímos no esquecimento e há seis anos que não actuamos.

Como é que escolheu o repertório para este «Intelectual»?
Eu normalmente convivo com os compositores. São amigos, não é uma coisa combinada, vem na sequência do dia a dia. Há uma paixoneta, como nós dizemos, sai uma música... é um circuito de amigos. Estive em São Vicente, e sabia que o Djak Monteiro tinha vontade de gravar as mornas. As coladeiras foi o Vaisse que me ofereceu e as outras são também do Bétu. Para mim, o conteúdo total do disco é o mais importante. As músicas têm de estar interligadas, ter qualquer coisa de comum. Na escolha do repertório é assim que eu faço. Mas primeiro que nada, a canção tem que me dizer alguma coisa, falar à minmha alma. Eu tenho dezenas, para não dizer centenas de temas oferecidos em casa. Mas a maior parte delas não me sentiria bem a cantá-las. Cantar não é como ter uma pistola apontada à cabeça. Tem que sair.

Quem é o Bétu, que assina pelo menos metade dos temas do seu disco?
O seu nome é Adalberto Silva. É um economista, natural da ilha do Maio, que estudou no Porto. Ultimamente era presidente do Conselho de Administração do BCA. Desde miúdo que faz músicas. Já no segundo ou terceiro disco dos Tubarões canto músicas dele. Conheci-o porque era colega de Liceu do meu irmão. Eles roubavam-me a viola para ir tocar. Na altura, eu ficava danado. Hoje em dia é dos melhores amigos que eu tenho.

O Ildo tem outra profissão (é despachante oficial, se não me engano). Nunca lhe passou pela cabeça abandoná-la para se dedicar a uma carreira na música?
Sinceramente, eu sentir-me-ia bem fazendo isso. Mas para isso seria necessário que existissem as tais condições internas para me poder dedicar à música. Em Cabo Verde muita gente sobrevive um pouco da música, mas não há nenhum verdadeiro grupo profissional. Vive-se de um pouco de animação em hóteis e em bares. Eu sou despachante oficial por necessidade, embora goste da profissão. Mas devo dizer que gosto mais de ser cantor. Sinto-me mais realizado a cantar do que fechado num gabinete aduaneiro. Eu podia fazer como outros e sair do país, mas sentir-me-ia desenraizado.