sábado, 19 de janeiro de 2013

Zé Luís


Serenata
Lusáfrica, 2013

Quando ouvi Zé Luís pela primeira vez, não sabia quem ele era. Mas a verdade é que para nos apaixonarmos por uma voz, não precisamos de saber a quem ela pertence, porque o coração é o mais certeiro dos órgãos humanos: sabe distinguir instintivamente o bem do mal, o bom do mau e o feio do bonito. E não há, aos meus olhos, maior inteligência do que esta. Porque assim penso, para falar de Zé Luís, e do seu maravilhoso disco de estreia, não é preciso, nem convém, usar palavras caras e conceitos muito elaborados. Aqui, tudo é como tudo devia ser: simples e belo, profundo e cativante. Os músicos não sabem tocar senão as cordas mais sensíveis e quanto ao cantor basta dizer há muito que não ouvia um timbre tão bonito e uma forma de cantar tão espontânea e justa. Ouve-se e não se acredita: esta voz, impregnada de melancolia e sensualidade, que canta essencialmente a saudade, o amor e a amizade, é a de um senhor à beira dos 60 anos que até agora só cantava para amigos e familiares. Recentemente, este desconhecido, marceneiro de profissão, deslumbrou, quase sem querer, uma plateia internacional de profissionais da música, com uma tocatina informal à margem de um festival de música. O assombro na plateia foi de tal ordem que logo surgiu o convite para gravar um disco e a possibilidade, entretanto concretizada, de uma digressão pela Europa. Ou seja, Zé Luís está a viver um sonho que bem o pode levar a ocupar, muito em breve, um trono há muito vazio: o de «rei» da serenata cabo-verdiana.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Nicolas Jaar



Space Is Only Noise
Circus Company, 2011

Outra feliz descoberta: Space Is Only Noise, de Nicolas Jaar. Com os seus ritmos «downtempo» e constantes surpresas sónicas, o álbum deste nova-iorquino de origem chilena (que confessa gostar de fado e morna cabo-verdiana), mergulha-nos numa atmosfera perturbadora e hipnótica propicia ao sonho e ao devaneio, a que apetece voltar amiúde. Custa a crer que o rapaz tem apenas 20 anos. Fiquei fã da elegãncia da sua música e dos seus propósitos.

Destroyer



Kaputt
Merge Records, 2011

O nome da banda (Destroyer) e o título do disco (Kaputt) dão a ideia de que vamos ouvir, no melhor dos casos, um rock abrasivo ou mesmo apocalíptico. Nada de mais errado. O disco dos Destroyer, ou melhor, de Dan Bejar (único mentor do projecto) é uma delícia pop, com grandes canções melódicas e luminosas, que foram procurar inspiração nos anos 80. Ao ouvi-lo vieram à memória os Prefab Sprout, LLoyd Cole, os Smiths, tudo boa gente. Gostei tanto que fui procurar todos os álbuns anteriores da banda, mas nenhum me pareceu á altura deste.

terça-feira, 8 de março de 2011

Natacha Atlas


Mounqaliba
Harmonia Mundi, 2010

Nascida em Bruxelas, filha de uma inglesa (convertida ao islamismo) e de um egípcio (nascido em Jerusalém), Natacha Atlas é, há já vários, uma das grandes divas da «world music». Sendo há muito seu fã, só agora tive ocasião de ouvir o disco que lançou o ano passado.
Gravado em Londres com a colaboração de um número generoso de músicos árabes e ocidentais, com destaque para o violinista Samy Bishai e a pianista Zoe Rhaman, Mounqaliba (que quer dizer qualquer coisa como «estar do avesso, ou de pernas para o ar»), é um álbum ambicioso, mas infelizmente desigual. Há temas que adoro, ao lado de outros que, francamente, não estão à altura. Entre as canções cuja audição recomendo estão duas «covers»: «Riverman», de Nick Drake e «La nuit est sur la ville», de Françoise Hardy, ambos deliciosamente jazzy. Mas as composições mais conseguidas, aos meus ouvidos, são mais classizantes e orientalizadas. Refiro-me, nomeadamente a «Makaan» e «Taalet», que quase me fazem levitar.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Anna Calvi


Anna Calvi
Domino Records, 2011

É evidente: o que primeiro chama a atenção é a sua beleza animal e o charme quase venenoso que destila um tal rosto. Magra, pálida, esta jovem inglesa, de origem italiana, parece ter nascido para atormentar. O que mais impressiona nela, porém, acaba por ser o seu talento.Como guitarrista, cantora e arranjadora. As suas canções, voluptuosas e contundentes, podem soar, no entanto, por vezes cruas, quase brutais, pois o seu rock é como ela: insidioso e tóxico. Não sei porque a comparam a PJ Harvey e Jeff Buckley, não tem nada a ver. Anna Calvi é mais abrangente; na sua música ouvem-se ecos de Ravel e Django Reinhardt, de Jimi Hendrix e Ravi Shankar, a par de Bowie, Cocteau Twins e Rolling Stones. Para já não falar de Edith Piaf e Nina Simone, que ela cita como exemplos. Não faço ideia do que ela fará no futuro, mas para já, este seu primeiro disco soa extremo e apaixonante. 2011 começou bem.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

The Jolly Boys


Great Expectation
Pias, 2010

Em 1942, quando se dirigia para as ilhas Galapagos no seu iate, Errol Flynn naufragou ao largo da Jamaica. O actor apaixonou-se por esse país e, cinco anos mais tarde, instalou-se em Port Antonio com a sua terceira mulher. Comprou um hotel, uma plantação de coqueiros e uma ilhota chamada Navy Island, onde se estabeleceu.
Para as suas memoráveis festas, o actor contratava uma banda, os Swamp Boys que, mais tarde, mudou o nome para The Jolly Boys. Pois bem, essa banda ainda existe e acaba mesmo de lançar um álbum, intitulado Great Expectation.
Não sei quem teve a ideia, mas é uma delícia ouvir os avôzinhos a cantar clássicos da pop e do rock imprimindo-lhes o seu ritmo próprio, o mento, tido como um antepassado do reggae. Entre as canções escolhidas contam-se «Passenger» e «Nightclubbing» de Iggy Pop, «Perfect Day» de Lou Reed, «Riders on the Storm» dos Doors), «You Can’t Always Get…» dos Rolling Stones, «Ring of Fire» de Johnny Cash e «Rehab» de Amy Winehouse. Em todas elas a voz cavernosa e incrível de Albert Minott, de 74 anos, faz maravilhas.
Errol Flynn tinha razão: «What a bunch of jolly boys !»

domingo, 10 de outubro de 2010

Lula Pena



Troubadour
Mbari, 2010

Saiu, finalmente, o novo disco da Lula Pena, Troubadour. Há anos que estava à espera dele. Na verdade, desde que ouvi Phados, já lá vai uma década. Esta obra de estreia tinha-me encantado. Finalmente alguém abordava o fado sem complexos de nenhum tipo, com a naturalidade de quem não corre atrás da fama ou do dinheiro, mas apenas de uma exigência interior.
Anti-vedeta por natureza, Lula Pena sabe que a única tarefa verdadeiramente urgente é amar, e fazer-se amar. A música para ela não é uma profissão, antes uma respiração ontológica, um veneno criativo que se alimenta de melodias e palavras. Digam o que disserem, considero-a a mais lírica e livre das portuguesas, a mais improvável e legítima herdeira de Amália Rodrigues (com quem, de resto, se parece fisicamente). Não da Amália diva, nem da Amália depressiva, mas da Amália habitada pela coragem e melancolia do povo que criou a palavra saudade.
As canções de Troubadour não têm título e prolongam-se livremente por sete actos (como no teatro), pois o disco é uma espécie de narrativa confessional, encantada e encantadora. Gravado em solo absoluto, é também um álbum visceral e intimista. Umbilical.
Sim, adoro a sua guitarra lânguida e a sua voz nocturna e hermafrodita, que ouço como me ouço pensar. Obrigado Lula Pena, valeu a pena esperar.