quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Zuco 103



Lilian Vieira, a cantora, é brasileira, Stefan Schmid, que se encarrega das teclas, é alemão e Stefan Kruger, o percussionista, que adora caixas de ritmos e samplers, é alemão de origem. Todos eles faziam parte da cena de Amsterdão em meados dos anos 90. Uma cena eclética que misturava electrónica, dj's e músicos de jazz em doses praticamente iguais. Quando, em 1998, os três se encontraram no Conservatório de Roterdão, decidiram juntar-se para criar uma música a que chamaram «brasilelectro». No ano em que comemoraram dez anos de actividade (2008), os Zuco 103 lançaram um novo álbum que vieram apresentar no Festival MED de Loulé de 2008 e que foi pretexto para uma conversa, de que se apresentam alguns extractos.

Que nome é este, Zuco 103?
SK: Inicialmente, queríamos intitular os nossos discos Disco A, Disco B e por aí adiante, mas a editora exigiu que escolhessemos um nome para a banda. Optámos por Suco, que quer dizer sumo no Brasil. Mas como não somos todos brasileiros, decidimos substituir o S por um Z. Graficamente parecia pobre, por isso colocámos 103 que, na nossa cabeça, significa 103 por cento de divertimento. É a nossa maneira de dizer que no nosso sumo podemos misturar álcool, ou tudo o que quissermos.

Estão a comemorar dez anos de existência. Quais foram os momentos mais inesquecíveis do vosso percurso?
SS: No final dos anos 90, a música brasileira misturada com electrónica ficou na berra e éramos solicitados para todo o lado. Foi quando apareceu Bebel Gilberto, Bossacucanova… Participámos em alguns momentos inesquecíveis como, por exemplo, a Techno Parade em Paris. Outro momento alto foi trabalhar com a Symphonia Orchestra na Haia. Um maestro orquestrou algumas das nossas canções e tocámos com eles. Foi incrível.
LV: A vez que tocámos com Lee «Scratch» Perry também foi muito especial, assim como actuar com Roberto Menescal no Brasil. Quando o ouvia na rádio em criança, estava longe de imaginar que um dia cantaria a seu lado.
SK: Estou-me a lembrar também de um programa de televisão com o Airto Moreira, com quem tocámos durante uma hora em instrumentos acústicos.

Porque não tocam mais vezes acústico?

SK: Podemos actuar sob diversas formas. Com dois laptops e voz, mas também numa forma híbrida e finalmente apenas acústico como uma banda jazz, pois vimos do jazz. Em 2009 estamos a planear fazer uma digressão acústica. Mas o Zuco recorre essencialmente a esta fórmula do meio, meio-acústica, meio-electrónica, muito experimental.

Este ano comemoram-se os 50 anos da bossa nova…
LV: Foi a bossa nova que tornou a música brasileira famosa no mundo inteiro. Foi uma época fabulosa porque se juntaram muitos músicos geniais para abrir novas portas para a música do Brasil. Custa-me a acreditar que a garota de Ipanema seja hoje provavelmente avó, mas a verdade é que continua aí, com muita força. Em todo o mundo, de Tóquio a Nova Iorque.
SS: Para os japoneses, a música brasileira resume-se à bossa nova. Não sabem de quem é Gilberto Gil ou Caetano Veloso. Quando um japonês chega ao Brasil fica boquiaberto com a riqueza musical do país.

Estão ser muito afectados pela crise?
SS: Já não vendemos discos, é um facto com o qual temos de aprender a viver. A nossa resposta a esta situação foi criar um selo próprio, para termos o controlo total sobre o nosso trabalho. Podemos decidir assim o que fazer com cada cêntimo que ganhamos. Podemos, por exemplo, decidir se vamos fazer uma digressão pela América do Sul ou pelos Estados Unidos. Hoje em dia, o artista tem que ter mais controlo sobre o que faz, tanto no que respeita aos concertos como aos discos.
LV: No Brasil os artistas têm que pagar às rádios para passarem a sua música. É uma guerra autêntica.

Não é só no Brasil. Mas é incrível que isso se passe num país onde o Ministro da Cultura é músico.
LV: O Gilberto Gil está muito empenhado em tornar essa prática ilegal.
SK: Tudo mudou nestes dez anos. Hoje vendemos menos discos do que há dez anos e, no entanto, somos mais conhecidos. Quando partimos em digressão temos muito menos dinheiro. Ora fazer digressões custa dinheiro. É um círculo vicioso: temos que fazer mais concertos para compensar as fracas vendas de discos, mas para isso temos que investir dinheiro que ainda não ganhámos. Em vez de nos deslocarmos numa camioneta, hoje temos que ir de carrinha e em vez de dormir num bom hotel, ficamos numa pensão. O grande desafio encontrar a maneira de ganhar a vida, porque nada funciona sem dinheiro. Instalou-se a crença que a música é um bem gratuito, mas a verdade é que uma simples cerveja custa dinheiro.
SS: Por outro lado, a Internet permite-te um contacto fácil e directo com os fãs e isso pode ser bem explorado. Algumas bandas fazem-no muito bem. Estou-me a lembrar dos Einstruzende Neubauten, por exemplo, que conseguiram criar um universo próprio e que disponibilizam, no seu site, música inédita para os seus fãs.

E que vão mesmo ao ponto de vender, depois do concerto, um CD com as músicas que acabaram de tocar.
SK: Claro que as grandes bandas e os artistas mais populares não podem responder aos mails de todos os seus fãs, mas nós podemos. Nós fazemo-lo. Nestes últimos dez anos, tocámos no mundo inteiro. Já actuámos para audiências de 60 mil de pessoas e também para plateias com sete gatos pingados, como aconteceu uma vez na Dinamarca. Todas as nossas actuações são memoráveis, por uma razão ou por outra. Para nós, o número de pessoas que está a ouvir-nos não é importante. Tocamos sempre com a mesma energia e paixão, porque adoramos ser músicos e tocar ao vivo. Se for ao Google e escrever Zuco 103 vai ver textos sobre nós em vietnamita ou coreano, o que prova que somos conhecidos no mundo inteiro. Mas discretamente, porque estamos no limiar da cena underground.