sábado, 14 de fevereiro de 2009

Vasco Martins



Para Além da Noite
Lusafrica, 2006

Vasco Martins é um dos mais destacados e ecléticos compositores cabo-verdianos de sempre. Um dos poucos que estudou música clássica, primeiro em Portugal, com Fernando Lopes Graça (1979-81) e depois em França, com Henri Claude Fantapié (81-84). O seu trabalho com Hermínia (Coraçon Leve) e Bévinda (Pessoas em Pessoa) teve alguma repercussão internacional, mas a sua obra erudita é pouco conhecida entre nós (mesmo se já teve honras de apresentação nos Encontros de Música Contemporânea na Gulbenkian). Este disco, relançado em 2006 pela Lusafrica (a primeira edição, de 1985, teve uma distribuição quase confidencial) vem, pois, colmatar minimamente essa lamentável lacuna. Para Além da Noite – que conta com um notável conjunto de intérpretes, onde se incluem Bruno Pizzamiglio (entretanto falecido), Aníbal Lima e Erlich Oliva - será para muitos uma verdadeira revelação. A peça que dá o título ao CD, foi escrita para oboé e cordas. O próprio compositor conta – num texto muito bem humorado incluído no livrete – a génese desta obra que nasceu, em 1982, com uma harmonização da morna «Hora di bai» de B. Leza, mas que foi evoluindo, nos anos seguintes, até ter sido gravada por músicos da orquestra Gulbenkian dirigidos pelo próprio compositor. Esta primeira aproximação erudita à morna, foi seguida por outras obras, também inspiradas por B. Leza, mais pessoais. «A segunda parte é outra viagem: são as minhas próprias impressões da morna, sem a mencionar tal como um pintor zen pinta o sol sem o pintar», explica Vasco Martins (que aliás publicou um livro incontornável sobre a morna). Para além dessa obra, sugestivamente intitulada «O que for quando for, o que será o que é», o CD inclui uma terceira peça, «Musique pour la Terre»: uma elegia impressionsta para violoncelo (aqui interpretada por Teresa Portugal Núncio) que o autor diz ter escrito, totalmente, em várias viagens que fez no metro parisiense. A peça, dedicada a Fernando Pessoa, procura «sublimar um ambiente subterrâneo que torna as pessoas tristes e desumanas». Todo o disco está, aliás, profundamente impregnado dessa melancolia existencial em que mergulhou, em 1985, uma equipa de psiquiatras italianos à procura da essência da famosa «sódade» cabo-verdiana. Que a nós, portugueses, nos cala fundo. Tão fundo que muita gente, provavelmente, não conseguirá ouvir o disco em toda a sua extensão de uma só vez.