
Mythodea de Vangelis foi inspirada na mitologia clássica e numa encomenda da NASA que, em Abril de 2001, mandou para o espaço uma missão intitulada «Odisseia Marte 2001», em homenagem a Stanley Kubrick, autor do célebre 2001, Odisseia no Espaço. A obra deu origem a um mega-espectáculo apresentado em Atenas no Templo de Zeus, em 2001, com a Orquestra Metropolitana de Londres e um gigantesco coro com 120 elementos, para além das divas Jessye Norman e Kathleen Battle.
Dois milhões e setecentos mil dólares foi quanto custou a produção do evento, que Vangelis concebeu, dirigiu e interpretou com vista à edição em DVD.
O envolvimento do Estado neste empreendimento (e sobretudo os custos da operação) levantou na altura uma acesa polémica em Atenas, alimentada por Mikos Theodorakis (autor da banda sonora Zorba, o Grego, ligado ao Partido Comunista grego). Também a utilização do Templo de Zeus foi criticada por alguns arqueólogos, que consideraram que as gigantescas estruturas montadas pela produção punham em perigo um tesouro patrimonial, não apenas da Grécia, mas da Humanidade. O ministro Evangelos Venizelos justificou o investimento assegurando que inaugurou uma Olimpíada Cultural que se desenrolou até aos Jogos Olímpicos de 2004. «Trata-se de chamar a atenção internacional para o nosso riquíssimo património cultural e a verdade é que conseguimos com este concerto atrair à Grécia os mais importantes órgãos de comunicação social do mundo inteiro».
Mythodea é uma obra ambiciosa que pretende demonstrar que os homens da NASA são hoje o correspondente dos heróis de antanho. Marte, o planeta vermelho, era para os antigos o planeta da guerra. Não admira que a música de Vangelis soe tão bélica, com os seus tambores e trompetas veementes. De resto, a receita Vangelis é sobejamente conhecida: um sintetizador debitando um som amplo, envolto em grandes massas orquestrais que se desenvolvem sobre linhas melódicas assaz simples (que se trauteiam facilmente), sujeitas a variações mínimas.
Mythodea tem algo do Richard Strauss de Assim falava Zaratrusta, algo de Verdi, de Wagner também. Mas mais do que a música em si, mais do que os enormes efectivos instrumentais e o possante Coro de cento e tal membros, o que encantou o público foram as presenças de Jessye Norman e, sobretudo, Kathleen Battle, que com a sua pose operática e a sua voz de estarrecer deixou toda a gente arrepiada. As próprias cantoras não escondiam a emoção que sentiam por participar naquele espectáculo de eleição, com a Acrópole ao fundo, toda iluminada e com a lua a decorá-la, lá em cima, como por encomenda.
No dia seguinte ao concerto, pude conversar com o compositor. 15 minutos apenas, porque vieram jornalistas de todo o mundo para falar com ele, e o senhor estava muito cansado.
É raro dar concertos. Estava nervoso?
Um pouco, sim, mas felizmente correu muito bem. Sabe, não sinto a necessidade de actuar ao vivo. A indústria musical criou este sistema em que um artista não só grava discos como tem que andar em digressão a promovê-los. Por mim, acho isso excessivo. Já há demasiado egos por aí, a dar espectáculo pelo mundo, não quero acrescentar o meu à lista. Uma ou duas vezes por ano, por razões específicas - como um espectáculo de beneficência, por exemplo -, não me importo de actuar ao vivo, mas não todos os dias. Nunca gostei de digressões.
Prefere o trabalho de estúdio?
Digamos que prefiro manter um «low-profile» e fazer o meu trabalho longe da multidão.
Você é um dos pioneiros da electrónica na música. Como é que vê o actual domínio da electrónica na cena musical. Previa-o?
Vivemos uma situação muito perigosa, porque cada vez mais estamos a suprimir o factor humano e porque dependemos cada vez mais dos computadores.
Nunca recorre a computadores?
Não, nunca. Não é que eu seja contra as novas tecnologias, nunca fui. Sou é contra o uso que certas pessoas fazem delas. Na minha opinião, os computadores podiam ser desenhados de um modo mais humano, mais adaptado às nossas reais necessidades e capacidades. Infelizmente, o que começa mal tem poucas hipóteses de vir a ser emendado. Claro que os computadores vieram facilitar-nos a vida e trouxeram muitos benefícios, mas também acarretam vários perigos e penso que mais tarde ou mais cedo as pessoas se aperceberão disso. É errado tornarmo-nos demasiado dependentes dos computadores. Não devíamos pôr a nossa vida nas suas mãos, como muitas vezes fazemos. Por outro lado, há pessoas que têm a ilusão de que os computadores as tornam mais inteligentes ou mais talentosas. Ora, isso não é verdade.
Deduzo que não goste de tecno, house e por aí fora.
São etiquetas inventadas pelo «marketing», para vender música aos miúdos. Há vinte anos eu já tinha experimentado essas coisas. Para mim, essas manipulações já passaram de moda.
Diz-se que começou a compor aos seis anos. É verdade?
Na realidade, quando compus a minha primeira peça tinha quatro anos.
Tem uma carreira e uma discografia impressionantes...
Ainda não fiz nada. Não estou a falar do êxito, da fama, dos prémios ou do número de discos vendidos, mas de algo mais substancial. Pode parecer aos olhos das pessoas que já fiz muita coisa, que já alcancei um sucesso considerável, mas, aos meus próprios olhos, sinto que ainda não fiz o que queria, que o mais importante ainda está para vir. A maior parte das pessoas preocupa-se demasiado com coisas sem importância, desperdiçando o bem mais precioso: o seu tempo. O tempo que tem para viver. Dizem que o tempo vale dinheiro, mas o tempo vale muito mais do que o dinheiro. O tempo que me resta para viver é o meu bem mais precioso. Acho que uma vida não é suficiente para fazer tudo o que queria, por isso, a minha preocupação maior é como organizar a minha agenda, para não desperdiçar o meu tempo com coisas que não valem a pena.
E o tempo que gastou a compor «Mythodea», deu-o por bem empregue?
Cabe-lhe a si, e ao público, dizê-lo. Para mim foi mais um momento como muitos outros na minha vida. Sou compositor, é a minha vida. Agora, porquê esta música e não outra? Deve haver uma explicação, mas eu não sei responder.
Quando compõe para cinema, parte de imagens existentes. Para compor esta obra em que episódios da mitologia se inspirou? «Mythodea» soa muito dramática, muito belicista...
Talvez no princípio possa soar assim, mas não o tempo todo. Quando componho não vejo nada, não tenho imagens na minha cabeça. Nem pretendo contar nenhuma história, porque prefiro que cada ouvinte imagine a sua própria história.
Em todo o caso, parece-me bastante pessimista. Como vê o futuro da humanidade?
Basta olhar à sua volta: não verá muita gente feliz. O futuro será o que fizermos dele, e o que eu vejo é que a maior parte das pessoas não faz nada para impedir o caos cada vez maior à sua volta.
É essa a mensagem da sua música? Um apelo à mobilização das pessoas, no sentido de tornarem a vida melhor?
A música não tem que ter mensagem, limita-se a cumprir uma função. As músicas com mensagens podem ser perigosas, como a História nos ensinou. Não quero entrar em detalhes, mas temos que ser cautelosos. As editoras discográficas têm muito poder e parecem dispostas a tudo para vender música aos miúdos, mas deviam ter mais cuidado. Também têm filhos, deviam pensar no futuro que querem para eles. A sua responsabilidade, nesse aspecto, é enorme.