quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Paco de Lucia



Paco de Lucia não precisa de apresentações. Toda a gente sabe que ele é um dos nomes maiores, se não mesmo o maior, do flamenco actual. A conversa decorreu em Setembro de 2004, quando o guitarrista trouxe a Portugal um novo grupo e um novo disco que merece bem o seu nome: Coisitas Buenas.

Deixe-me felicitá-lo pelo Prémio Príncipe de Astúrias que acaba de receber.
Obrigado. Deu-me uma grande satisfação, não pelo que representa para mim pessoalmente, mas para a música flamenca - a música dos meus pais e avós - que defendo e promovo há tantos anos.

O flamenco parece, de resto, estar a viver um bom momento, com muitos jovens a procurarem fazê-lo avançar por novos caminhos. Que pensa disso?
Sim, há muita inquietação neste momento. Há uns anos, o flamenco era uma música muito tradicionalista, muito enraizada no clássico - muito pura, digamos assim. Depois, eu e o Camarón começámos a rasgar um pouco novos horizontes e agora há toda uma nova geração muito mais livre do que a nossa. Com menos preconceitos.

Gente como Jerry Gonzalez que aparece no seu novo disco?
Jerry entrou no disco porque é meu amigo e apareceu um dia pelo estúdio. Os meus discos não são assim tão planeados como se possa pensar. As participações do Jerry ou do Alejandro Sanz, por exemplo, aconteceram assim, quase por acaso, não corresponderam a uma ideia pré-definida. Comigo é sempre tudo mais improvisado. Quando aparece pelo estúdio um amigo, digo-lhe «olha está aqui uma coisa boa para tu fazeres» e gravamos.

O tema «Casa Bernardo», onde ambos aparecem, é um pouco uma «revolução»...
Mais ou menos. Na minha discografia já havia experiências similares.
Concebe a ideia de um dia gravar todo um disco neste espírito mais jazzy/pop?
Não. O espírito dominante terá que ser sempre o flamenco. É a música que faço desde sempre, que sempre amei e é através dela que eu sei e quero expressar-me. Será sempre a base de tudo.

«Cositas Buenas» quebra um silêncio de 5 anos. Porque é que esteve tanto tempo sem gravar?
Porque só faz sentido fazer um novo disco se temos algo de novo a dizer, no sentido mais amplo da palavra. Um novo disco implica um novo conceito, novas ideias, novas composições e isso não se faz de um dia para o outro. É preciso viver, ouvir coisas novas, eventualmente sofrer. Tem que suceder muita coisa para descobrirmos lugares novos por onde nunca tenhamos passado.

Isso quer dizer que vamos esperar mais cinco anos por um novo disco?
Não creio. Tenho trabalhado muito, feito muitos concertos, muitas digressões, e isso não me permite compor. Para compor temos que estar apartados do mundo. E agora já não me apetece tanto andar na estrada. Quero dar menos concertos e compor mais, que em definitivo é o que vai ficar. Um concerto é coisa de um dia e um disco é para toda a vida.

Diego El Cigala também participa em «Cositas Buenas». Gosta do disco que ele gravou com Bebo Valdés?
É um disco bonito, muito apelativo, com canções que toda a gente conhece. Para mais, Bebo é um excelente músico e Cigala canta muito bem. Mas não é um disco de flamenco, claro.

Aos seus ouvidos, o fado tem algo em comum com o flamenco?
Alguma coisa terá, sim. Ao nível emocional são muito parecidos. Como sabe, a minha mãe era portuguesa e ouvi-a cantar fados muitas vezes quando era pequeno. Alguma coisa deve ter ficado dentro de mim. Por exemplo, gosto muito da música de Carlos Paredes. De resto, gostaria de enviar daqui condolências para a sua família e os seus amigos. Eu gostava muito do Carlos, era uma jóia de pessoa e um grande músico.

Acha que é melhor músico hoje do que era há dez, vinte anos?
Acho que sim. Já não tenho a energia que tinha, nem o entusiasmo da juventude, mas parece-me que sinto hoje as coisas mais profundamente. Vou depurando a minha música de tudo o que não interessa. Hoje só me interessa a essência das coisas e de mim mesmo.

É isso que transmite aos jovens que vêm procurá-lo para aprender?
Não, porque isto não se ensina. É algo que cada um aprende com a sua própria experiência e com os anos. Aos jovens o que eu digo é que não tenham medo de arriscar, que procurem sem medo de se enganar. Mexam-se e o resto vem por acréscimo.