quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

José Peixoto



José Peixoto, que foi colega de Pedro Ayres de Magalhães na Academia de Amadores de Música de Lisboa, fez parte dos Madredeus de 1993 a 2007. Nunca abdicou, no entanto, do seu percurso a solo, iniciado como guitarrista clássico e que, mais tarde, evoluiu do jazz para uma linguagem muito pessoal, que incorpora a raiz árabe da música tradicional não apenas portuguesa mas ibérica. Em 2004 publicou Aceno, com as participações de Filipa Pais e Ralph Towner. Nessa altura, pude colocar-lhe algumas perguntas.

Mais um disco feito em viagem?
Desde há uns anos, todos os meus discos têm sido feitos em viagem. No princípio do ano passado, comecei a sentir que estava na altura de me disponibilizar para acrescentar qualquer coisa, mantendo a mesma linha, mas com novos ingredientes. Tudo começa com essa disponibilização para a invenção. A partir daí, o tempo que se tem é o tempo que se soma com esse objectivo. Os discos acabam por ser encomendas que faço a mim próprio.

Todos os temas são inéditoss?
Excepto duas «repescagens»: o tema em que participa o Ralph Towner, «Espaços», que tem um certo valor simbólico, pois foi o tema que deu o título ao meu primeiro disco, em 87. Um outro tema, «Choveu e nem uma Brisa» já tinha tido uma versão a solo, num disco que se chama A Vida Num Dia, mas agora escrevi uma parte de contrabaixo, para ficar mais composto. O resto das composições foram feitas a partir de 2002 para cá.

Como surge a participação de Ralph Towner?
O Ralph é um músico que eu admiro há muitos anos. Foi importante numa determinada fase da minha formação e da minha orientação musical. Acabou por ter um papel preponderante, até por causa do instrumento que eu tocava e da música que eu gostava de fazer. Já tinha consciência nessa altura de que não ia seguir a carreira de concertista de música clássica.

Também não queria ser um músico de jazz...
Portanto andava ali um pouco à procura... A influência que o Ralph Towner teve foi no sentido de me mostrar muitas possibilidades em termos de ideias e de instrumento, num universo musical que parte dos mesmos pressupostos que o jazz, nomeadamente a improvisação e a liberdade criativa. Fui seguindo o trabalho dele, tendo sempre consciência de que é melhor não pôr lá o pé, para não ser arrastado. Conheci-o em Lisboa, em 93, quando fizemos (o Mário Delgado, o José Salgueiro e eu) a primeira parte de um concerto dele. Nesse dia, jantámos juntos e fomos mantendo contacto. Eu comprava os discos dele e oferecia-lhe os meus (risos). Tive agora a grata surpresa de verificar que ele foi ouvindo os discos, que os conhece. Não só os meus, de resto, ele está a par da cena musical portuguesa, no universo do jazz.

Porque não aproveitou para gravar mais temas com ele?
O importante era partilhar algum tempo e alguma música com ele. Nesse sentido, achei que um tema era o suficiente.

A Manuela Azevedo e a Filipa Pais, como é que aparecem no disco?
Quando comecei a trabalhar, de facto não pensei introduzir canções. Houve uma que surgiu naturalmente, a canção que canta a Manuela Azevedo. Apareceu aquele tema, em consonância com o resto, e percebi logo que era uma canção. Podia ter feito uma versão instrumental, mas também não sou instrumentalista fundamentalista. E agradou-me a possibilidade de ouvir, agregada àquela melodia, a voz da Manuela.

Já tinha havido aquela muito boa experiência com o «Carinhoso»...
...E achei que podia fazer algum sentido. Ia ser algo um bocado fora do âmbito do projecto, mas esse era um problema que eu estava disposto a resolver internamente. E depois de convidar a Manuela, fechei o triângulo através do Sérgio Godinho, que achei que era a pessoa que podia escrever para aquela melodia as boas palavras. Nessa altura já tinha a participação da Filipa Pais, que fazia uma vocalização num tema instrumental e, até por uma questão de equilíbrio, foi-me sugerido fazer uma outra canção para a Filipa. E fiz aquele tema, com uma aura arabizante que, na minha opinião, lhe fica muito bem. Com duas canções, o disco acabou por ficar mais rico. Felizmente não vivo com nenhum rótulo, pelo que me sinto livre para fazer o que bem me apetecer. Com canções, sem canções...

De um modo geral, o disco é em tons muito melancólicos... crepusculares.
Tenho consciência disso. A melancolia, para mim, é um estado muito criativo. Tem a ver com recolhimento, com a procura de equilíbrio.

Arriscando um paralelo forçado, diria que, se o José Peixoto fosse pintor, faria uma pintura abstracta e não figurativa.
Pois, parece-me que sim.