
Rendez-Vous, álbum lançado em 2004, foi o pretexto bem oportuno para conversar com a «eterna» musa de Serge Gainsbourg. A conversa decorreu em Março desse ano, quando a cantora e actriz passou por Lisboa com o espectáculo Arabesques, que recriava algumas das canções mais famosas de Serge Gainsbourg, com arranjos arabizantes.
Diga-me, Jane...
Primeiro que nada, quero pedir-lhe desculpa pelo atraso. Fui visitar o Palácio Fronteira, um local que adoro. Estive lá há cinco ou seis anos com o escritor Olivier Rolin, meu namorado na altura, e quis lá voltar. Para ver os azulejos, que já conheço de cor (mostra um livro enorme que traz na mala com fotografias do palácio), o jardim lindíssimo, onde se respira uma calma absoluta. E a casa também. Não me queriam deixar entrar. Não era hora de visita, tive que implorar, explicar que me ia embora hoje mesmo. Ontem fui a Sintra. Fiquei encantada com o Palácio dos Sete Suspiros...
De Seteais?
Isso. Adorava ter uma casa naquele local, é absolutamente espectacular.
Teve tempo de visitar a vila?
Sim, e alguns palácios, nomeadamente aquele onde viveu Lord Byron.
Nunca tinha ido a Sintra? No entanto, sei que conhece Portugal desde há muitos anos.
Sim, há muitos anos. A minha filha Kate, que já tem 37 anos, era pequenina na altura em que visitei Portugal pela primeira vez. As pessoas em França ainda se lembram do meu cesto português, um cesto em palha que se tornou tão célebre que o meu terceiro marido, Jacques Doillon, o esmagou de propósito, com o carro.
De propósito?
Sim, porque dizia ele que não gostava de «gimmicks». Achava que era uma coisa que vinha do tempo do Serge, que era um «gimmick», tal como o facto de eu falar mal francês. Ele quis mudar a minha imagem e fez-me puxar o cabelo para trás, quase me obrigava a andar com roupas apertadas até ao pescoço.
Para acabar com a sua imagem de sex-symbol?
O Serge disse-me nessa altura: «ele fará de ti uma desconhecida» (Risos). Estava muito amargo, o que era normal. Ficou tão triste quando o deixei que tinha que lhe levar comida, para que não passasse fome. Levava-lhe cada vez mais comida, à medida que a minha barriga crescia, para lhe esconder a minha gravidez. Até que um dia, decidi-me a dizer-lhe: «Serge, algo mudou». Ao que ele respondeu: «Eu reparei, cortaste o teu cabelo». «Não, não é isso», disse-lhe eu, «estou grávida». Ele teve esta resposta espantosa: «Nunca mais verás a minha mãe!» (Risos) Eu implorei-lhe que não fizesse isso, porque adorava a sua mãe. Depois, quando a minha filha nasceu, a primeira pessoa a quem telefonei foi ao Serge, para lhe dizer que era uma menina. E ele disse: «Ainda bem, porque não me vejo como padrinho de um rapaz». Nesse mesmo dia comecei a receber roupas para o bebé, enviadas por ele. Tornou-se no seu padrinho e, mais tarde, pediu à criança para lhe chamar Papá Deux. Mesmo a mãe de Serge começou a interessar-se pela bebé e a fazer perguntas sobre ela, com aquela sua pronúncia de russa que nunca perdeu. Finalmente, Kate, Charlotte e Lou (as minhas três filhas) começaram a visitar a senhora, todos os domingos. Aliás, ele estava em minha casa, onde de resto até tinha um quarto...
A sério?
Metaforicamente, eu também mantinha um quarto na casa dele, que vai ser transformada num museu. Mas, desde que o deixei nunca mais voltei àquele quarto, enquanto ele vinha muitas vezes, sobretudo quando regressava de viagem. Um dia, ele estava a contar uma anedota a Michel Piccoli e a Patrick Chéreau, em cima de uma cadeira, quando tocou o telefone. Fui atender e era a sua irmã que tinha uma notícia horrível. Deixei-o acabar a sua história, antes de lhe dizer que a sua mãe estava muito mal. Quando saímos do hospital, ele fechou-se em casa a ouvir Chopin. Quando o fui ver, disse-me: «Fiquei órfão».
Também conheceu o pai de Serge?
Sim, conheci-o em Honfleur. Parecia uma personagem saída de um romance.
Em que sentido?
Era um judeu russo. Pianista. Andava sempre com a mulher e o filho atrás. Primeiro através de toda a Europa. Depois em França. Dormiam em espeluncas, por vezes nas estações de comboio, onde calhava. O Serge contava-me histórias incríveis desse tempo, que o marcaram muito. Por vezes, quando estávamos em hotéis de luxo, ele evocava esses tempos de miséria. Falava do seu sucesso como de uma vingança sobre esses tempos de adversidade.
É verdade que Gainsbourg a fez chorar no dia em que se conheceram?
Sim, tratou-me muito mal. A Brigitte Bardot tinha-o deixado há pouco tempo e ele estava muito magoado. Eu fui fazer um «casting» para contracenar com ele em Slogan, um filme de Pierre Grimbalat, mas falava muito mal francês, tinha uma pronúncia horrível. Acho que ele preferia a outra actriz, a Marisa Berenson, que era lindíssima e tinha um sotaque impecável. Mais tarde, para me impressionar, o Serge levou-me a clubes de travestis, ao célebre Madame Arthur e outros. Queria mostrar-me como era conhecido em todo o lado e disputado por toda a gente. Mas depois fomos dançar e ele pisou-me os pés. Acho que foi nesse instante que comecei a gostar dele. O grande sedutor, o Casanova, que se gabava de tantas conquistas, afinal nem dançar sabia! Pouco tempo depois de começarmos a andar juntos, fui para o Sul da França filmar A Piscina, com o Alain Delon, que Serge considerava ser um dos homens mais bonitos de França. Ficou doido de ciúmes. Para me impressionar, sem dúvida, foi visitar-me a Saint Tropez na maior limusina que encontrou. Mas o carro era tão grande que não cabia nas ruas da vila. (Risos)
Ele tinha consciência da sua fealdade?
Sim. O seu ideal de beleza masculina era o Robert Taylor, imagine só. Um homem de quem nunca gostei. Nunca gostei de homens bonitos, aliás. Gosto de homens interessantes, isso sim, e a maior parte das mulheres pensa como eu. O Serge não era bonito, mas tinha imenso talento e sobretudo um sentido de humor absolutamente fantástico. Único. Em todo o lado onde estava, era sempre o homem mais divertido, o que mais fazia rir as mulheres. Era assim que ele as conquistava.