quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Herbie Hancock



Herbie Hancock, verdadeira lenda viva do jazz, veio actuar em Lisboa em Novembro de 2006. O autor de «Rock It» e Headhunters é um verdadeiro «Zelig», um músico de jazz que adora fazer incursões noutros territórios musicais. A Portugal, o antigo companheiro de Miles Davis trouxe nessa altura um novo quarteto e a sua última aventura: um disco intitulado Possibilities, editado em 2005 com a colaboração de grandes nomes da pop. Para saber mais sobre os concertos que vinha dar em Lisboa telefonei para Los Angeles.

«Possibilities» é um álbum de canções e contou com a participação de vocalistas como Paul Simon, Sting, Christina Aguilera, Joss Stone e Annie Lennox, por exemplo. Nesta digressão vai apresentá-lo em versão instrumental?
O meu guitarrista, Lionel Loueke, é também vocalista e poderá cantar algumas das canções. Mas nesta viagem pela Europa e Japão poderemos, eventualmente, recorrer a cantores locais.

Isso vai acontecer em Portugal?
Talvez, não sei ainda. Estamos a discutir essa possibilidade. Para além disso, também vou tocar alguns dos meus temas mais conhecidos.

Como «Watermelon Man»?
E também «Cantaloupe Island», «Maiden Voyage», «Chameleon»... Gosto de variar o repertório de concerto para concerto.

Pode falar-me um pouco dos três músicos que vêm consigo?
Lionel Loueke vem do Benin, em África. É um jovem extremamente talentoso. Como viveu em Paris durante alguns anos, tem não só influências africanas mas também europeias e norte-americanas. Para além disso, é um músico de jazz muito completo, um verdadeiro improvisador. Estilisticamente, pode tocar tudo, desde música brasileira a jazz de vanguarda, passando pelo rock ou o blues. E não hesita em recorrer a electrónicas e novas tecnologias para expandir a sua paleta de sons e capacidades vocais. Para já não referir que, por vezes, usa a sua guitarra como um instrumento de percussão. Está sempre a surpreender-me e é fascinante trabalhar com ele. Nathan East é um baixista maravilhoso. Trabalha actualmente com o grupo Fourplay, mas tem tocado com muitos outros grupos e artistas ao longo da sua carreira. Já acompanhou Michael Jackson, mas também Wayne Shorter. Também o baterista Vincent Colaiuta é um músico versátil, que tanto trabalha com Joni Mitchell como em contextos mais experimentais. Como vê, é uma banda multifacetada que me acompanha nesta digressão e estou muito excitado pela possibilidade de actuar com eles.

Alterna concertos acústicos com electrónicos. O que prefere, na realidade?
Não consigo fazer essa distinção, pois não os vejo como coisas opostas. Nesta digressão, por exemplo, vou usar ambos: teclados acústicos e sintetizadores. Gosto da variedade e gosto de desafios. Se estava a referir-se à minha capacidade para fazer músicas de géneros muito diversos, deixe-me dizer-lhe que tudo o que faço se insere num mesmo vasto propósito. São como peças diferentes de um mesmo puzzle.

Talvez por isso, quando se olha para a sua carreira, dir-se-ia que viveu não uma mas várias vidas consecutivas. Também sente assim?
(Risos) Refere-se ao facto de eu ter sido actor e figurante em alguns filmes? Até já fui apresentador de televisão!

Gosta de representar? De estar em frente das câmaras?
Gostaria de ter um real talento para actor, pois gosto do desafio que isso representa. Gosto da sensação. Mas sei que tenho mais jeito para escrever música para filmes do que para actor. Neste momento estou a compor a banda sonora para um documentário cujo tema são as relações entre o basquetebol e o jazz.

Alguém, nos Estados Unidos, escreveu que você era uma espécie de Dr. Jeckill e Mr. Hyde do jazz. Que pensa dos puristas?
Os puristas têm todo o direito de escolherem que tipo de música querem ouvir. Porém, acho que ninguém tem o direito, ou possui sequer as qualificações necessárias, para confinar o jazz num beco. O jazz nunca foi uma música para ficar contida num espaço apertado. Sempre foi uma música aberta, em expansão, que nunca hesitou em inspirar-se noutras culturas e influências para avançar. E é isso que torna o jazz uma música tão especial, apreciada em todo o mundo. Na minha opinião, a atitude purista levada às suas últimas consequências significaria a morte do jazz. Ora, o jazz tem de ser livre para ser a música global que é potencialmente.

Nesse sentido, como vê o jazz dos nossos dias?
Veja o caso do Wayne Shorter, que está a criar uma abordagem completamente nova, redefinindo aquilo que o jazz é ou virá a ser. O que ele está a fazer constitui um desafio para mim. Acho que ele é um verdadeiro pioneiro. Mas há outros músicos interessados em expandir a paleta do jazz, como Terence Blanchard, por exemplo. Há cerca de um mês, no Thelonius Monk Institute, houve um concurso para novos pianistas e fiquei espantado com a qualidade geral dos 12 semifinalistas, todos com menos de 30 anos. Cada um deles trouxe algo de muito pessoal ao evento e ouvi sons e abordagens que nunca tinha ouvido, como ritmos do Leste europeu ou sonoridades orientais que faziam toda a diferença. Foi como um festival de especiarias e sabores inteiramente novos, provenientes de muitas culturas e fiquei entusiasmado. Foi realmente inspirador. Fiquei convencido que o futuro do jazz está em boas mãos.

Como foi trabalhar com Miles Davis?
O Miles nunca nos dizia o que devíamos tocar, mas encontrava sempre uma maneira para nos estimular a encontrarmos as respostas que fazíamos a nós próprios. Isso mostra o excelente professor que ele era, pois um bom mestre não fornece respostas feitas aos seus discípulos. Não era difícil trabalhar com ele, mas também não era fácil porque o nível de exigência musical era muito alto. A sua influência perdura em mim porque quando trabalho com músicos mais jovens, estou sempre a encorajá-los a explorar novos territórios. Eu próprio procuro fazê-lo, porque me compete dar o exemplo aos mais novos.

Ainda gosta de dar concertos?
Sem dúvida. A única parte má é ter que apanhar o avião!