quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Carla Bruni



Quelqu'Un M'a Dit. Alguém Me Disse. Assim se intitula o primeiro disco de Carla Bruni, uma «top model» que se tornou, quase de um dia para o outro, a nova coqueluche musical no país de Edith Piaf, antes de casar, mais recentemente, com o primeiro-ministro da França. À direita como à esquerda, toda a imprensa foi unânime em considerar Quelqu'Un M'a Dit como a grande revelação de 2002, pois, mais do que uma nova voz, a obra revelava uma promissora escritora de canções, com pelo menos tanto potencial como, por exemplo, Norah Jones.

Como é que uma «top model» se torna cantora?

Para muita gente, a minha imagem de manequim ainda está bastante presente, mas eu já tinha parado com os desfiles há cerca de três anos. Já não era «top model» quando comecei a escrever este disco. A profissão de manequim acaba muito cedo e, portanto, foi de um modo muito natural que tudo aconteceu: escrever canções era algo que eu queria fazer há muito. De tal maneira que esperava, quase ansiosamente, acabar uma carreira para começar outra. Era um sonho de juventude... não tanto cantar, mas escrever canções. De resto, não seria cantora se não escrevesse canções, pois não me imagino a cantar canções de outras pessoas.

Lembra-se da primeira canção que escreveu?
Sim, lembro-me. A primeira canção que escrevi era ainda criança, foi uma cançãozinha sobre uma pantufa. Um tema do meu quotidiano, portanto.

Ao longo dos seus anos de formação, quais foram as suas principais influências?
Muita gente. Na minha juventude ouvia tudo, desde os Beatles ao Georges Brassens, passando pela música clássica, os Rolling Stones, Serge Gainsbourg, Bob Dylan e Johnny Clash. E também fado... Sempre ouvi muito fado, que é uma música que adoro. Não saberia dizer-lhe o nome dos cantores, mas também gosto imenso de música brasileira, folk, country, blues, gospel... Apaixonei-me por muitos discos de diferentes estilos e acho que todos eles me influenciaram de alguma maneira.

Quando é que surgiu em cena o Louis Bertignac, que gravou consigo o disco? E porquê ele? Já eram amigos?
Sim, já nos conhecemos há uns 20 anos. Eu sei que ele gosta de trabalhar na produção (tem experiência em gravar discos ao vivo) e de usar o Pro-tools. Quando lhe enviei as minhas canções, começou logo a trabalhar nelas, mantendo-se muito fiel ao seu espírito original. No fundo, limitou-se a oxigená-las, a limar-lhes as arestas e a acrescentar um ou outro instrumento, aqui ou ali. Conservámos, mesmo assim, três quartos das minhas guitarras e cerca de metade da minha voz, que já estava nas maquetas. Isso explica em parte a simplicidade deste disco, que foi deliberada. Nunca nos passou pela cabeça ir buscar uma orquestra ou ir gravar para um estúdio caro. É verdadeiramente um «kitchen record», um disco caseiro. Acho que a pureza do som se deve a esta nossa opção. Para nós, esta simplicidade é o máximo de sofisticação.

Foi essa simplicidade que fez o sucesso deste álbum. Esperava uma recepção tão calorosa?
Não, de todo. Não só não a esperava como ainda estou espantada, pois este não é um disco formatado segundo o gosto dominante actual, com arranjos rebuscados. É um disco folk, fora de moda. Não é pop, nem funk, nem rap, nem trip hop, nem dance... nem sequer é um disco de variedades, como a maior parte da música que passa na televisão. Na realidade, eu pensava que não haveria espaço para este álbum, mas queria publicar o disco com que sempre sonhei, sem concessões. Ninguém esperava este sucesso, nem o Bertignac, nem a editora.

Gosta de cantar em público?
Ainda nunca o fiz, mas quero fazê-lo. Neste momento, estou a ensaiar e, quando achar que já estou suficientemente preparada, vou mesmo fazê-lo. Quero poder encontrar pessoas que gostaram do meu disco, e a única maneira de as encontrar é dando concertos. Penso, de resto, fazê-lo também no estrangeiro, porque, embora seja um disco de cultura tipicamente francesa, tem viajado bastante. Está a ser editado em Itália, na Alemanha, na Inglaterra, no Japão, em Portugal, em Espanha... um pouco por todo o lado, o que me espanta imenso, visto que o disco é muito francês, apesar de eu não ser francesa. Aliás, para mim, não é muito importante que o disco seja cantado em francês, e, de resto, as canções em que trabalho neste momento são em inglês e em italiano.

Continua, pois, a sentir-se mais italiana do que francesa?
Claro, sou completamente italiana. Escrevi a maior parte das canções em francês, mas podia também tê-lo feito em italiano ou em inglês, línguas que me são perfeitamente familiares, cada uma delas por razões diferentes.

Uma pergunta um tanto pessoal: gosta de se ouvir cantar?
Não muito. Não gosto muito da minha voz, aliás como toda a gente, suponho. Ultrapasso isso porque tenho uma profunda necessidade de ser reconhecida e amada. Tenho de reconhecê-lo: foi por isso que me expus quando era manequim e o faço agora enquanto compositora e cantora. Ou seja, não gosto muito de me ouvir, mas gosto que os outros me ouçam. Preciso de sentir que sou capaz de sensibilizar as pessoas, de as emocionar. Por isso, o lado físico, a minha imagem como manequim, era muito insuficiente. Porque não conseguimos tocar profundamente as pessoas com uma imagem. Ora com a música há uma possibilidade de ir direito ao coração das pessoas.

Nesse sentido, este disco representa também um pouco uma vingança sobre as pessoas que só viam o manequim e não a verdadeira Carla Bruni?
Absolutamente.