sábado, 21 de fevereiro de 2009

António Zambujo



A sua história, pelo menos na versão oficial, é fácil de resumir: nasceu em Beja, em 1975, e durante cerca de dez anos estudou clarinete no Conservatório do Baixo Alentejo. Só no ano 2000 veio viver para Lisboa, quando integrou o elenco de Amália, o musical de Filipe La Féria. Quanto ao primeiro disco de fado que se lembra de ter ouvido era do José Pracana, a cantar poemas do Linhares Barbosa, um poeta popular. Já o primeiro fado que cantou em público — tinha 16 anos — foi a «Marcha», do Alfredo Marceneiro.
Uma tia que cantava muito bem, «mas que infelizmente já faleceu», «revelou-lhe» o fado. Outra pessoa determinante foi Mário Pacheco, o primeiro a convidá-lo para cantar numa casa de fados. Foi, de resto, em casa do guitarrista que surgiu o convite para interpretar o papel de Francisco da Cruz, o primeiro marido de Amália. «Agora não faria um musical, porque está completamente fora do meu contexto», assegurou-me Zambujo, «mas, na altura, esse convite permitiu tornar-me músico profissional.»
O primeiro disco, Outro Fado, gravou-o em 2002, quando ainda decorria Amália. Não parece, contudo, guardar muito boa recordação dessa experiência. Já o segundo álbum, Por Meu Cante, gravado dois anos mais tarde, revelou-se determinante. «Foi com ele que descobri o som que quero. Um som onde se reflectem todas as minhas influências musicais. Um fado que mescla o jazz e a música popular brasileira e onde estão presentes as minhas origens alentejanas.» Lembra-se perfeitamente do momento em que se deu o «clique» no estúdio de gravação: foi com «Senhora da Nazaré», um fado musicado do compositor João Nobre. «Quando comecei a fazer umas coisas com a voz para substituir a guitarra portuguesa, o Ricardo Cruz exclamou: ‘Parece o Chet Baker.’ Nem sequer o conhecia na altura, mas hoje sou um fã incondicional.»
Os puristas não gostam das suas opções, e António Zambujo sabe-o bem. «Canto fado todos os dias no Senhor Vinho e tenho cá a minha ideia. Não pretendo descobrir a pólvora, mas o que é hoje considerado purista não o era no seu tempo.» Dá o exemplo do Alfredo Marceneiro, que na sua época era um inovador, e da Amália, quando começou a cantar os temas do Alain Oulman. «É cíclico», opina com um encolher de ombros, «quando surge alguma coisa nova, as pessoas têm dificuldade em aceitar.»
Caetano Veloso, no seu blogue (obraemprogresso.com.br), entre outros elogios, afirma: «O que se ouve em Zambujo é algo que vai mais fundo. É um jovem cantor de fado que, intensificando mais a tradição do que muitos de seus contemporâneos, faz pensar em João Gilberto e em tudo que veio à música brasileira por causa dele.» A propósito da sua maneira muito peculiar de interpretar o fado, delicada e pontuada por pausas, outros falam em Chet Baker, no próprio Caetano e até em Cesária Évora. António Zambujo reconhece sem dificuldade estas influências todas e junta-lhes Tom Waits e Nina Simone.
A originalidade do seu fado minimalista e do seu canto quase seráfico começa a ser reconhecida por essa Europa fora e não lhe têm faltado nem críticas lisonjeiras nem convites para actuar. E por cá? «Em Portugal, não está a acontecer grande coisa», desabafa o fadista, acrescentando com um sorriso: «As pessoas preocupam-se demasiado com geografia, mas o importante para mim é tocar e cantar. Se nos quiserem ouvir na China, teremos de ir para a China. Se não me querem ouvir em Portugal, tenho de ir cantar para outros sítios.»
Não deixem de ouvir o seu disco Outro Sentido. Na sua voz magnífica, o fado tinge-se de cante alentejano, bossa nova e jazz. Toma novos rumos, para ganhar outros sentidos.