domingo, 8 de março de 2009
Yalla, Yaala
Pekos/Yoro Diallo
Bougouni Yaalali
Daouda Dembele
Yaala Yaala, 2007
Um belo dia, um produtor austríaco passou pela Rua Augusta e ouviu uma pedinte cega cantar melodias populares, acompanhando-se a si própria de ferrinhos. Ficou encantado e convidou-a para participar num programa de televisão rodado em Marrocos. O timbre muito particular de Dona Rosa, pois é dela que se trata, e a intensidade quase hipnótica do seu canto valeram-lhe um convite para gravar um disco e para participar em vários festivais. Mas Dona Rosa volta sempre à Rua Augusta onde, sentada no seu banquinho, com um dos seus CD ao pescoço para vender, fica horas seguidas a cantar, sem que ninguém lhe preste particular atenção.
Quanto a Jack Carneal, viveu no Mali, algures entre 1999 e o ano 2000. A mulher é investigadora e estava lá com uma bolsa para estudar comunidades escolares rurais no Sul do Mali. Jack, que para além de professor de Escrita Criativa também é músico (foi baterista dos Palace Brothers de Will Oldham, por exemplo), durante a sua estada foi coleccionando cassetes de artistas locais. Nalguns casos chegou mesmo a gravar músicos que encontrou na estrada usando um simples minidisc e um microfone. Nada de muito sofisticado porque o que se pretendia, essencialmente, era registar um momento e a sua «autenticidade». Em 2007, lembrou-se de juntar esse material e lançar uma nova editora, a que chamou Yaala Yaala, um termo que significa qualquer coisa como «Vou andando». Os três discos com que apresentou o seu projecto pretendem dar a ouvir uma música feita pelo povo para o povo, a muitas milhas da sofisticação dos discos gravados por Ali Farka Touré, Oumou Sangaré ou os Tinariwen, que compõem e gravam a pensar nos ouvidos ocidentais, muitas vezes com a assistência de produtores europeus ou americanos.
Apesar de um grafismo muito similar, os três discos da Yaala Yaala são muito diferentes entre si. Pekos/Yoro Diallo é um dueto entre dois tocadores de «ngoni», uma espécie de alaúde muito tosco usado na região. Jack comprou a cassete (posteriormente editada e remasterizada) a um vendedor no mercado de Bougouni que nem lhe conseguiu assegurar que esse era o verdadeiro nome dos executantes. Bougouni Yaalali é um apanhado de músicas de rua, gravadas em bares ou festas, com os seus ritmos festivos e caóticos. Daouda Dembele é o nome de um «griot» (trovador maliano) que conta as suas histórias acompanhando-se com um «jelingoni», outro instrumento de corda muito rudimentar. E porque só a música interessa e a sua verdade imediata, os discos não fornecem quaisquer informações. Nem sequer as fotos das capas dizem qualquer coisa sobre os músicos, pois são meras fotos turísticas, embora a preto e branco («et pour cause», como diria um francês).
Jack Carneal justifica este minimalismo informativo afirmando que não é etnomusicólogo e que tudo o que pretendeu com estas edições foi «preservar música que, de outra forma, poderia desaparecer se não fosse registada.» A sua démarche, no fundo, não é muito diferente afinal da do produtor austríaco que citámos no início deste texto: dar a ouvir uma música genuinamente popular que só assenta no seu próprio poder de comunicação, sabendo que há um nicho de mercado para isso, pois tudo se vende desde que chegue às pessoas certas através dos canais apropriados.