quarta-feira, 4 de março de 2009
Juan de Marcos
Foi graças ao filme que Wim Wenders dedicou ao Buena Vista Social Club que demos pela existência de Juan de Marcos, um «jovem» quarentão que terá tido a ideia de ir buscar ao baú das antiguidades, músicos como Compay Segundo, Ibrahim Ferrer e Omara Portuondo, para só dar três exemplos. Em 1997, ele gravou com a sua Afro-Cuban All Stars, uma orquestra multi-geracional A Toda Cuba le Gusta. Dois anos mais tarde, surgiu um novo disco da orquestra, Distinto, Diferente, cuja apresentação decorreu no famoso Ronnie Scott em Londres. Foi nessa altura que pude conversar com «the unsung hero of Buena Vista», como a promoção chamava então a Juan de Marcos.
Antes da aventura Buena Vista Social Club, você era director de uma orquestra chamada Sierra Maestra. Mas antes disso, o que fazia?
Era professor universitário. Embora tenha estudado música quando era jovem, o meu pai não queria que eu fosse músico, alegando que era uma profissão mal paga e sem futuro. Estudei, pois, engenharia hidraulica e acabei a dar aulas. Trabalhei nove anos como professor universitário. Em paralelo, continuei a fazer música e formei os Sierra Maestra. Um dia, porém, decidi dedicar-me só à música. Não deixei de gostar subitamente de engenharia e do ensino, mas quando pus as duas coisas na balança, ela inclinou-se de forma decidida para o lado da música.
Ouvi dizer que sabia antecipadamente que o projecto Buena Vista ia ser um sucesso. Como é que estava tão seguro?
Sempre pensei que íamos ter êxito, não podia era adivinhar que venderíamos mais de três milhões de discos no mundo inteiro. Antes do Buena Vista, nunca a editora World Circuit tinha vendido mais de 200 mil cópias de um só título.
Pensa que o disco teria tanto sucesso sem a presença de Ry Cooder?
Na minha opinião, não foi o Ry Cooder que fez o sucesso do Buena Vista, foi o Buena Vista que promoveu o Ry Cooder. O Ry Cooder nunca tinha vendido por aí além na sua vida, com nenhum dos seus projectos.
Então como explica este fenómeno?
O disco saiu no momento certo. Pouco a pouco, Cuba foi-se tornando num lugar na moda, para os europeus mas também para os americanos. Para os americanos, Cuba tem sido, nos últimos 40 anos, uma fruta proibida e como se sabe essa é a fruta mais apetecível. Para os europeus, Cuba é atractiva porque tem o melhor tabaco do mundo, o melhor rum, algumas das mulheres mais bonitas do mundo, das músicas melhores do mundo, e ainda por cima tem um clima excelente e é o único país comunista tropical do mundo. Além disso, tem sido um dos países mais vilipendiados do mundo, sujeito a um bloqueio tenaz. Por tudo isto, há uma grande curiosidade sobre este país. Portanto, em primeiro lugar, Cuba estava na moda. Em segundo lugar, a música do disco é muito boa e, sobretudo, muito sincera. Porque quando a música é sincera as pessoas sabem apreciá-la, mesmo que não compreendam a língua. Quando ouço um cantor húngaro, sei instintivamente se está a cantar com sinceridade ou não. Em terceiro lugar, está a presença de músicos de outras gerações. Normalmente uma pessoa de 80 anos está em casa à espera do fim. Acho que as pessoas sentiram admiração por neste disco terem participado, com tanto profissionalismo, pessoas de outra época que fazem música de grande qualidade. Note, Ruben Gonzalez é um pianista brilhante, como são brilhantes os cantores Ibrahim Ferrer e Compay Segundo. Mas a verdade é que em Cuba há muitos mais como eles, só que vocês não os conhecem.
Começamos a conhecê-los. Agora, quase todas as semanas, recebo pilhas de discos cubanos. Bons, maus, de tudo. Há neste momento uma febre que leva os editores a andarem todos atrás de um novo Buena Vista. Não haverá o perigo de saturação?
Temo um pouco a saturação, com efeito. Mas também acho que as pessoas sabem distinguir a qualidade. Há muito rock e muito pop no mundo, algum é muito mau e outro muito bom e as pessoas sabem escolher o melhor. O mesmo vai suceder com a música cubana: só a melhor terá êxito.
O anterior disco dos Afro-Cuban All Stars vendeu bem em Cuba?
Em Cuba não há mercado de discos. Em Cuba deve haver um leitor de CD por cada 50 ou mesmo 100 mil pessoas. O povo não tem dinheiro para discos, mas conhece a nossa música através da rádio e sabe do seu sucesso pelos jornais.
Como vê o futuro da música cubana?
Muito positivo. Do ponto de vista técnico, vai ser a convergência dos elementos de raiz com sons mais modernos e uma instrumentação contemporânea: teclados, sequenciadores... Porque para os cubanos, a música do Buena Vista soa demasiado velho. Isso ouvem eles pelas ruas desde sempre e o que querem é uma música nova que esteja à altura da época.
Daí o estar a lançar a sua própria editora, é isso?
Sim, eu quero desenvolver outros géneros de música mais adequados ao nosso tempo. No projecto Afro-Cuban nunca recorrerei a sintetizadores, caixas de ritmo ou samplers. Mas não sou um inimigo da electrónica, pelo contrário, tenho três computadores em casa e já produzi rap e dance music. A companhia que estou a criar vai produzir discos de cuban-jungle e afro-garage, por exemplo.
Como vê o futuro de Cuba depois do desaparecimento de Fidel?
Isso só Deus o sabe. O que eu sei é que o Fidel vai viver ainda muitos anos. Ele está são que nem um pero, tem uma saúde de ferro. Para mais, está muito protegido pela religião afro-cubana. Ele já sobreviveu a tentativas de assassinato e nem uma bomba atómica dava cabo dele.
No seu disco fala de «reconciliácion», mas quem conhece os cubanos no exílio, nomeadamente em Miami, fica céptico quanto a essa possibilidade.
Não sou um político, nem me interressa a política, mas sou um artista que tem interesses culturais e sociais. Penso que a nação cubana não pode estar desunida. Os que estão a impedir a união de todos os cubanos formam um grupo muito minoritário. Penso que estamos muito perto do momento em que vão ser reatadas as relações políticas e comerciais emtre Cuba e os Estados Unidos. Não porque os americanos tenham ficado bonzinhos de repente, mas porque estão a perder dinheiro com esta situação. Além disso, não podem permitir que os espanhóis tomem conta de Cuba, como estão a tentar fazer. Neste momento, os espanhóis estão a comprar tudo o que podem. Se isto continua assim, qualquer dia vamos ter de fazer outra guerra da independência para termos o nosso país de volta.