
The Mandé Variations
World Circuit, 2008
A sonoridade da kora (Toumani Diabaté tem duas, uma mais tradicional e outra "modernizada") é incrivelmente bela. Tão depressa lembra uma harpa como um alaúde ou mesmo, ocasionalmente, um cravo. De resto, ao intitular o seu álbum The Mandé Variations, o músico (ou alguém por ele) pensou certamente nas Variações Goldberg de J.S. Bach. Na verdade, este disco inaudito teve na África Ocidental e nos meios da "world music" o mesmo impacto que as Variações Goldberg por Glenn Gould tiveram na música clássica em meados dos anos 50. E tal como aconteceu com esse pianista genial, alguns viram em Toumani Diabaté um virtuoso "alucinado", um instrumentista tecnicamente superlativo mas auto-indulgente e excessivamente fascinado pela sua própria inventividade e talento. Num caso como no outro, inútil acrescentar que nada está mais longe da verdade.
Filho do lendário Sidiki Diabaté, "o rei da kora", Toumani é um "griot", veio ao mundo para ser trovador como o pai e todos os seus ascendentes até ao século XIII. Aos cinco anos, foi iniciado nos mistérios do instrumento e da cultura Mandé, de que é hoje um dos mais importantes embaixadores internacionais. Adolescente, ouviu Otis Redding e Jimi Hendrix que o marcaram profundamente. Hoje diz que a sua missão é partilhar com o mundo o incomensurável legado musical do seu povo e por isso mostra-se aberto a todas as aventuras. Tocou com os Ketama, Taj Mahal, Damon Albarn, Björk, Roswell Rudd e hoje em dia frequenta um grupo de rap de Bamako com vista, provavelmente, a uma futura colaboração.
Espantosamente, The Mandé Variations é apenas o seu segundo álbum a solo. Se no primeiro, Kaira, gravado 20 anos antes, o mestre da kora se tinha cingido a um repertório tradicional "clássico", neste segundo ele parte dessa herança para a transcender e reinventar livremente. Ouça-se, por exemplo, a belíssima homenagem a Ali Farka Touré, totalmente improvisada, que atinge uma tal intensidade e nível de abstracção que não nos espantaria se o músico e os técnicos que o gravavam tivessem levitado em êxtase.
Primorosamente gravado, como é apanágio dos trabalhos da dupla Nick Gold/Jerry Boys, o álbum de apenas oito faixas permite ouvir com clareza os mais ínfimos detalhes e é, seguramente, o melhor disco "world" a ter saído em 2008. A não ser que o músico volte a exceder-se no futuro, permanecerá durante muito tempo como a obra-prima do instrumento. Para todos os tocadores de kora, há agora um antes e um depois de The Mandé Variations.
(Ler entrevista com o músico em jorgedelimaalves.blogspot.com)