
Os pais, os avós, os irmãos, todos eram músicos. Mal nasceu, Tito Paris, penúltimo de nove irmãos, começou a respirar música ao mesmo tempo que oxigénio e aos sete anos já tocava guitarra «como um grande». Hoje, se lhe tirassem a música, possivelmente morria asfixiado.
Tito vive em Lisboa desde 1982 e como compositor trabalhou para Bana, Luís Morais e Cesária Évora. Foi ele quem fez os arranjos do primeiro disco da cantora. Tem trabalhado com inúmeros músicos nacionais e a sua carreira já o lervou a participar em alguns dos principais festivais da Europa e dos Estados Unidos.
Em 1998, publicou Ao Vivo no B. Leza, o disco que serviu de pretexto para esta conversa.
Veio para Portugal em 1982 integrado no projecto Voz de Cabo Verde. É capaz de me falar desse tempo?
Era bem diferente do que é hoje. De dia para dia nós temos ideias novas e a música evoluiu imenso. Não é que tocássemos mal na altura, era a época e o som da altura. A Voz de Cabo verde era um grupo que tocava tudo: soul music, reggae, até fado! Na altura tinha que ser assim.
Se fizessem só música de Cabo Verde, nessa altura, não tinham público?
Tínhamos, porque o Bana nessa altura já tinha nome e o Dany Silva também.
Aos 7 anos já tocava guitarra como um grande. E aos 12 formou o seu primeiro grupo, não foi?
Foi. Eu quase que não brinquei como míudo. A música não me deixou. E tenho saudades das brincadeiras que não fiz. Ainda por cima, os meus pais separaram-se e dadas as dificuldades, tinha que ser eu, como mais pequenino a tocar, para ser um chamariz, para arranjar dinheiro para levar para casa.
Em termos musicais, quem foram as pessoas determinantes na sua formação? Que puxram por si e o ajudaram...
O Paulino Vieira. Ele o o Dany Silva foram os grandes responsáveis pela minha carreira.
Eu perguntava antes disso, lá em Cabo Verde, quando ainda era um míudo?
O Luís Morais, o Valdemar Lopes da Silva, o Chico Serra... houve mais. Aos dez, onze anos já eu tocava nos bares e foi aí que eu aprendi, com este e com aquele. Com o Jack Monteiro, também, que é um grande cantor. Pensando bem, a minha infência foi bonita, porque eu me senti muito homem, muito cedo.
Namoradas eram aos montes...
Eu namorei muito pouco. Estava demasiado preocupado com a família. Era incapaz, por exemplo, de deixar de ensaiar para andar com a namorada. Porque tinha uma namorada, mas só uma. É a mãe do meu filho mais velho.
Então e quando é que começou a cantar? Ou melhor, quando é que tomou consciência das potencialidades da sua voz?
Eu não me passava pela cabeça cantar. Uma vez na Holanda, estávamos a actuar num bar muito bonito em Amesterdão, que pertence a um grande amigo nosso, o Irineu, quando o Paulino se virou para mim e disse «Canta! Canta!». E eu cantei umas estrofes e comecei a rir. O Paulino ficou um pouco zangado comigo e eu disse: «Estou-me a rir porque tu vais pôr o teu irmão a cantar também». A partir daí, o Paulino começou a puxar por mim, para eu cantar de vez em quando. Mais tarde, quando deixei de trabalhar com a Voz de Cabo Verde e fui trabalhar com o Dany, ele pregava-me partidas doutras formas, obrigando-me a cantar também. E assim fui ganhando gosto. Isto apesar de um dia, um espectador que eu conhecia me ter dito: «Tu és um grande guitarrista, também tocas bem piano, mas não cantes, pá!»
Em que alturas prefere compor?
Eu componho melhor quando me encontro a mim mesmo. Muitas vezes, nem preciso de ter o instrumento comigo. Às vezes adoro estar sozinho, com um cigarro e um drink. Pode ser num sítio desconhecido. Tenho um gravadorzinho e quando encontro uma melodia gravo. Mas não faço música por fazer, apenas quando é necessário. Não sou como aquelas pessoas que, no Verão, vão para a praia mesmo sem ter vontade.
A música vem primeiro do que a letra...
Componho primeiro um ambiente. Sou muito sensível ao ambiente, à decoração, aos sons à minha volta. Componho a melodia e só depois começo a pensar nos versos. Não escrevo com caneta, mas cantando.
Já tem ideias para o seu próximo trabalho? Será um álbum de originais...
Sim. Nesta altura, estou muito ansioso por trabalhar. O meu moral está muito bom e tenho um excelente ambiente de trabalho. Mas o meu próximo trabalho ainda está no segredo. Tão no segredo que a minha própria alma ainda não me diz nada.
O Tito gosta mais do palco do que do estúdio?
Adoro palco. Eu chamo ao palco, casa de família. Vejo uma sala de espectáculo um pouco como uma casa onde se acolhem os sem abrigo. Onde as pessoas vão à procura do que temos para lhes dar. Em Cabo Verde, fiz teatro durante muitos anos e também adoro teatro.
Fez teatro como músico ou como actor?
Como actor. Lembro-me que a última peça em que entrei, em 78 ou 79, já não me lembro, recebi trezentos escudos.
Eram peças de autores locais?
Sim. Havia lá um senhor, Ribeiro Gonçalves, conhecido como Tio Lói, que era quem escrevia as peças e com quem aprendi muito. Fiz também algumas peças escritas por mim e por malta da minha idade.
E tem essas coisas guardadas?
Sim, algumas. Há, por exemplo, a história de um violinista que nunca acabei, mas que penso de vez em quando em acabar. E tenho também o projecto para um livro de contos baseado em histórias que me aconteceram realmente.
Ficou surpreendido com o sucesso do seu disco anterior, «Graça De Tchega»?
Esse disco tem particularidades interessantes, que é a de incluir uma «morna-rock» cantada e tocada com o Rui Veloso, e também o «Sódade» gravado ao estilo flamenco, com o Pedro Jóia. Participam ainda o Boy Mendes e o Dany Silva, tudo amigos que fazem com que esse disco tenha um grande significado para mim.
Também neste novo álbum, gravado ao vivo no B. Leza se rodeia de amigos. Quando gravou os concertos já estava a pensar numa edição em disco?
Já estava pensar num disco. Escolhi o B. Leza, apesar de não ter grandes condições para gravar um disco ao vivo, por várias razões. Fui eu quem deu o nome aquele espaço. Apesar de não o ter conhecido, o B. Leza para mim é um santo. O disco acaba assim por eser também uma homenagem a esse grande compositor.
Há quem diga que o verdadeiro Tito Paris é ao vivo. Que o estúdio não consegue dar a verdadeira dimensão da sua música.
Eu acredito, sim. Como eu já disse sinto-me em casa em cima de um palco, é lá que eu me sinto melhor. Em casa tenho uma família, mas no palco tenho outra.
Se pudesse escolher quem quer que fosse para participar num espectáculo seu, que nunca tenha tisdo essa oportunidade, quem é que escolheria?
Eu gostaria, por exemplo, de ouvir o Carlos do Carmo a cantar uma morna.
Nunca o desafiou para isso?
Não, mas nunca é tarde. O Carlos do Carmo é meu amigo. Aliás, participei no último disco do filho, que gravou um tema meu. Mas em Portugal há muitos bons cantores e este país é já uma grande potência musical e poética. Isso está a ser demonstrado lá fora, através de gente como o Pedro Abrunhosa e muitos outros. Também gostaria de trabalhar com os GNR.
Acredita pois no futuro da música portuguesa?
Acredito profundamente. Em Cabo Verde as pessoas sabem de cor as letras das canções do Luís Represas, do Rui Veloso... E os jovens pegam na guitarra e começam a cantar as canções do Rio Grande. Nós falamos todos português, em Angola, Moçambique, Guiné... Quando estiver tudo em paz, já não vamos vender dez ou vinte mil discos, mas um milhão. Temos que acreditar e trabalhar para isso, desde já.