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Winter & Winter, 2001
Xavier de Maistre escreveu um livro intitulado Voyage Autour de Ma Chambre e Francis de Miomandre outro que se chamava Voyages Sédentaires. Muitos outros escritores, filósofos e poetas defenderam a ideia de que, para viajar, não é preciso sair da cidade onde se vive, ou da rua onde se mora, ou mesmo sequer do quarto onde se dorme. Jorge Luis Borges, por exemplo, parece ter visitado civilizações antiquíssimas e os confins do universo com um mínimo de despesa e de bagagem. Isto para já não falar de Jonhattan Swift, Svedenborgh ou Dante, esses viajantes extremos que ousaram ir até onde ninguém se atreveria a segui-los.
Mais modestamente, o editor alemão Stefan Winter propõe-nos uma viagem através do tempo - com início no exacto dia 7 de Junho de 1905 - entre Paris e Constantinopla. O patrão da Winter & Winter já nos provou por diversas vezes que tem bom gosto, belas ideias e os meios para as realizar. Gaba-se de ter inventado o conceito dos «audio-filmes», e esta sua iniciativa é isso mesmo: um irrecusável apelo ao nosso imaginário.
O Expresso do Oriente é, como se sabe, o mais célebre de todos os comboios do mundo. Mito alimentado durante anos pela literatura e o cinema, o comboio ainda hoje existe, mas apenas acessível a milionários. Aqui há uns anos, recuperaram-se algumas das mais luxuosas carruagens, e a viagem está agora limitada ao trajecto Paris-Veneza-Paris, sendo que o itinerário proporciona paisagens deslumbrantes através da Áustria, Alemanha e Suíça.
Com o concurso de um punhado de músicos escolhidos a dedo, entre os quais o acordeonista norueguês (mas de origem búlgara) Stian Cartensen, o pianista Fumio Yasuda e o polaco Kwartet Prima Vista, Stefan Winter concebeu uma fascinante viagem musical, que começa na Gare de l'Est, em Paris, ao som de «Mari Maro», tema tradicional interpretado pelo saxofonista Trifon Trifonov. Em fundo, ouvem-se os ruídos típicos de uma estação, e às sete e trinta em ponto o comboio põe-se em marcha ao som de uma «Musette Fantasy». O trajecto passa por Estugarda, Munique, Salzburgo, Viena, Budapeste, Belgrado, Sófia... e nós vamos numa das carruagens, ouvindo um pianista ou um pequeno agrupamento de câmara a tocar trechos de Puccini, Schubert e Brahms - melodias em voga na altura, como a «Habanera», da Carmen, de Bizet, ou a «Pizzicato Polka», de Strauss. Mas o comboio pára, por vezes, no meio do caminho, para que possamos ouvir também danças húngaras, vozes búlgaras ou cantos de trabalho romenos, conforme a paisagem.
Já se percebeu a ideia, e é fantástica. Um poeta escreveu que «viajar é ir de um ponto para outro de olhos fechados». Pois bem, este disco permite isso. Ainda por cima, é um belo objecto, com um livrinho magnificamente ilustrado e uma capa em cartão azul e dourado, que apetece mesmo comprar (e oferecer).