quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Moriarty



Os Moriarty foram buscar o nome à mais famosa personagem do escritor Jack Kerouac, patrono da chamada «beat generation». Sem dúvida porque a estrada era o seu destino. Hoje gabam-se de ter dado cerca de 200 concertos em 2008 e de ter actuado em locais como um hospital psiquiátrico, uma prisão, nas ruínas de um castelo na Toscânia e num comboio nocturno. São bons músicos, têm uma identidade muito forte e a sua folk, tingida de country e blues, parece inspirada num improvável cabaret ambulante.
Formada por três americanos nascidos em França, a que se juntaram um suíço e um vietnamita, a banda passou o ano passado pelo Festival Músicas do Mundo de Sines para apresentar Gee Whiz But This is a Lonesome Town, o seu primeiro e único disco até à data. Em Sines, pude conversar com a cantora Rosemary Standley.

Comecemos pelo princípio: como surgiram os Moriarty?
O Arthur (Gilette) e o Thomas (Puechavy) decidiram, em 1998, juntar-se para tocar blues. Pouco a pouco, os outros foram aparecendo, trazendo outras sensibilidades e diferentes gostos musicais para o grupo. O que hoje conta para nós são as canções que escrevemos e os espectáculos que damos, cerca de 200 neste ano de 2008.

O grupo formou-se no final dos anos 90 mas o disco surgiu só em 2007.
Durante muitos anos não procurámos sequer darmo-nos a conhecer. Reuníamo-nos numa cave de nove metros quadrados em Paris e criávamos canções só pelo gozo da aventura. Algumas canções levaram oito anos a chegar à sua forma final. Pelo caminho fomos mudando várias vezes de abordagem. Já soámos mais eléctricos, mais acústicos e, agora estamos outra vez a utilizar guitarras eléctricas.

O núcleo duro da banda é constituído por americanos nascidos em França, como a Rosemary.
A nossa história é uma história de amizade, que remonta à infância. Os outros membros do grupo foram sendo encontrados ao longo do caminho, pouco a pouco, quase por acaso.

Os Moriarty orgulham-se de não ter líder.
Não há compositores titulares, todos podem trazer ideias, letras, temas… Uma canção pode desenvolver-se com contribuições de todos os elementos. Uma das nossas canções, «Jaywalker - Song for Beryl», é sobre uma amiga nossa. Por isso, cada um de nós escreveu uma parte da letra, sem saber o que os outros iam fazer.

Uma espécie de «cadáver esquisito»?
Nós preferimos pensar nela como uma colagem.

Porque escolheram este nome, Moriarty? Por causa do Jack Kerouac?
O nome já estava escolhido quando entrei para o grupo, porque o Thomas e o Arthur tinham ficado muito impressionados com o pela Estrada Fora. E especialmente pela personagem de Dean Moriarty. Mas o nome faz também referência a Sherlock Holmes e mais concretamente ao seu arqui-inimigo, o professor James Moriarty. Na verdade, o próprio Kerouac escolhera o nome em referência a Conan Doyle. É, pois, uma referência americana e europeia, que tem tudo a ver connosco. Moriarty, que é também o nome de uma cidade do Novo México, é uma palavra de origem irlandesa. Em gaélico quer dizer «o homem que vem do mar». É, em suma, um nome que nos permite de viajar pela imaginação, no tempo e no espaço. Um nome à nossa imagem: não se sabe bem de onde vem nem para onde vai.

Os vossos concertos têm uma forte componente teatral. Como é que os preparam?
Os nossos co-produtores, Jérôme Deschamps & Macha Makeïeff, são encenadores e cenógrafos. Talvez os conheça porque durante algum tempo tiveram no Canal + uma série de «sketches» chamada Deschiens. Eles emprestaram-nos uma série de objectos que utilizamos nos nossos espectáculos: roupas, um sofá, uma cabeça de bode… artefactos que nos permitem criar um cenário muito próprio, que ajuda os espectadores a entrarem um pouco no nosso universo.

Um universo que remete para o Oeste americano, para a ideia de viagem, mas também para um imaginário ligado ao cabaret itinerante.
É isso mesmo. Para mim, sobretudo no início, tornava-se assim mais fácil estar em palco, pois esse cenário dava-me a ilusão de estar no meu espaço, onde quer que fosse. Mas não se pode falar de encenação. Há um «décor», mas tudo é improvisado.

Uma das vossas canções, «Private Lily parece ser um libelo contra a guerra no Iraque!
A canção conta uma história verdadeira. Lily é uma prima do Arthur que ingressou no Exército dos Estados Unidos aos 19 anos, em plena guerra do Iraque. Porquê? Porque acabou o liceu e não arranjava emprego em lado nenhum. Foi para a tropa com a promessa do exército lhe pagar os estudos. As Forças Armadas americanas assediam sistematicamente os jovens mais pobres e menos instruídos.

Ela chegou a ir para o Iraque?
Está lá neste momento. Na verdade, prepara-se para renovar o contrato porque quer continuar na tropa. Entretanto foi promovida e sente-se muito orgulhosa de estar a servir a pátria. Nós opomo-nos à guerra, mas se ela é feliz assim…

«Jimmy», o «single» que os lançou, fala de errância e de exílio.
É a história de um bisonte que partiu e a canção é escrita como se fosse uma carta escrita pela sua irmã a pedir-lhe para regressar.

Vocês são todos expatriados, de certa forma. Nunca pensou regressar aos Estados Unidos?
É verdade que o meu pai é americano e que pelo facto de viver em França alguma coisa falta na sua vida, mas eu nasci em Paris e sinto-me em casa aqui. O caso do Stephan (Zimmerli) é diferente. A sua mãe deixou o Vietnam durante a guerra e ele viveu parte da sua vida nos Estados Unidos e, mais tarde, em França. Sei que vive essa situação mais intensamente do que eu, embora afirme que não se sente nem vietnamita nem francês, nem americano, mas sim universal. Na verdade, todos nós temos um pouco esse sentimento de desenraizamento. Por outro lado, não podemos esquecer que ter dupla ou tripla nacionalidade também é enriquecedor. De resto, como sabe, a nossa música beneficia dessa multiplicidade de influências culturais.

O seu pai era músico e gostava particularmente de bluegrass e country. Foi uma grande influência?
Sem dúvida. Ainda hoje ouço mais frequentemente Hank Williams e Patsy Cline do que música da minha geração. Adoro a voz de Billie Holiday e de contratenores como Alfred Deller ou Andreas Scholl. Do mesmo modo, também gosto de vozes femininas muito graves.

No entanto, não hesita em cantar «Enjoy the silence» dos Depeche Mode.
É verdade, tal como cantamos Tom Waits ou standards como «Fever» ou «St. James Infermery». Isso prova que há lugar para todas as sensibilidades e gostos no seio do grupo. Há quem goste dos Depeche Mode, outros preferem Ali Farka Touré ou música da Reunião. O nosso património cultural não tem limites.