
A ex-top model fala do seu segundo disco, «No Promises». Estamos em 2008 e a conversa decorreu ao telefone.
Carla não esconde que o sucesso do primeiro álbum a paralisou um pouco. «Um segundo disco é sempre um obstáculo difícil de ultrapassar», confessa, sem reservas. «Para a escrita e a composição senti-me, com efeito, menos livre. Foi de resto por causa disso, para reencontrar alguma liberdade, que mudei de língua.» Quelqu'un m'a dit era cantado em francês, mas, sendo italiana de nascimento, toda a gente esperava que o seu segundo álbum fosse italo-francês (ela própria prometera que assim seria). A cantora justifica: «Na verdade, não conseguia escrever em italiano como queria, e em vez de me forçar, o que é impossível, pois ninguém consegue forçar a inspiração, pus-me a trabalhar em inglês... até porque a música vinha facilmente, mas não as letras.» Foi por isso que se socorreu de poemas de Yeats, Auden, Emily Dickinson e Dorothy Parker para compor estas 11 canções? «Lia esses autores, e também Christina Rossetti e Walter de la Mare, para me inspirar, para enriquecer o meu vocabulário em inglês, e acabei por me apaixonar pelo seu trabalho. Inicialmente, não tinha a intenção de adaptar poemas, mas pouco a pouco a ideia foi-se impondo. Quando quis misturar as minhas letras com alguns desses poemas, percebi que não fazia sentido e decidi não misturar alhos com bugalhos.»
Integralmente cantado em inglês, o disco já foi visto como uma piscadela de olhos em direcção aos Estados Unidos e à Grã-Bretanha. Carla Bruni defende-se da insinuação: «A escolha destes poemas é algo de muito intimista, e este disco, mesmo cantado em inglês, é ainda menos comercial do que o anterior. Não se trata de procurar um sucesso planetário, mas simplesmente de aprofundar um percurso que iniciei com "Quelqu'un m'a dit". Considero mesmo esta minha escolha bastante arriscada, pois temo que a poesia do fim do século XIX e princípio do século XX não interesse a ninguém.» Carla não esconde que conhece pouco a poesia mais recente e reivindica: «Escolhi grandes poetas e fiquei muito perturbada pelo seu génio, pois representam, para mim, a própria essência da poesia. Penso ainda que os poemas que escolhi se mantêm muito actuais».
Quando preparava No Promises, Carla Bruni pediu ajuda à sua amiga Marianne Faithfull, que um dia lhe tinha oferecido um livro de sonetos de Shakespeare, onde tinha escrito: «Lê um soneto todas as noites, antes de adormecer.» «Aproveitei as suas folgas para melhorar a minha pronúncia e aprofundar o sentido dos versos, pois Marianne é uma apaixonada pela poesia e uma verdadeira conhecedora destas obras. Ela sabe tanto de literatura inglesa que poderia ensiná-la na Universidade se não fosse uma 'rock star'.»
Musicalmente muito despojado - todo em toada folk, com esporádicas erupções «bluesy» -, mas com um toque de sofisticação bem parisiense, No Promises deixa a impressão de alguém que, através de palavras alheias, expõe feridas muito pessoais. Nostálgicas, introspectivas, as canções abordam essencialmente a questão da solidão e do envelhecimento. É obviamente o «suspiro» de alguém que se despede da sua juventude e se pergunta de onde vem e para onde vai. Carla concorda com esta leitura e vai mais longe: «Sabe, dizia-se antes que a melancolia é a felicidade de estar triste. Há dores felizes, tristezas doces... A melancolia não é uma tristeza morta, é uma tristeza viva.» Quer isto dizer que esta mulher belíssima, cobiçada por tantos homens e invejada por tantas mulheres, se sente só? «Não me sinto só, mas solitária, porque a minha solidão é assumida, desejada. Sempre fui muito solitária, mesmo quando era manequim. No meio de um desfile, rodeada por centenas de olhares, sentia-me solitária. Com o tempo, esse sentimento de solidão foi-se tornando precioso para mim. É na solidão que leio e escrevo e componho, que são as três coisas que prefiro na vida. É verdade: 'The dancing days are gone', mas não gostaria de voltar a viver a minha juventude.»
Durante a nossa conversa telefónica, o tom da sua voz só se alterou ligeiramente quando Cat Power veio à baila. «Gosto muito de Cat Power, da sua voz, das suas canções, e, como ela, gosto muito de folk e blues. No entanto, ela é americana e eu sou uma italiana que cresceu em França. Não escrevemos sobre as mesmas coisas, nem temos as mesmas referências. Penso que a minha inspiração vem mais de coisas que ouvi na infância, quando era muito nova. Ela é muito mais blues do que eu, e mais complicada também. As minhas canções são quase todas canções de embalar e têm um lado muito italiano, mesmo se fui efectivamente muito influenciada pela folk e o blues americano.»
À guisa de despedida, Carla Bruni elogia o trabalho do seu produtor e amigo, o guitarrista Louis Bertignac, com quem já havia trabalhado no anterior álbum. Compara as suas melodias simples a raparigas nuas e assegura que o ex-Téléphone as sabe vestir como ninguém, com roupagens simples e despretensiosas, como ela gosta. Mas logo a seguir confessa o desejo, ou a intenção, de vir a trabalhar no futuro com Daniel Lanois, o músico canadiano que tem trabalhado com Bob Dylan e os U2.