
Lágrimas Negras
Ariola, 2004
Flamenco com música cubana? A primeira reacção é de incredulidade: «O que é que esta gente vai inventar a seguir?» Porém, basta ouvir a primeira faixa («Inolvidable» de Julio Gutierrez), para dissipar qualquer dúvida. O insólito cruzamento revela-se afinal surpreendentemente belo. Ou como já disse David Byrne: «Quem imaginaria que esta combinação pudesse ser tão sublime?» Sublime? A palavra não é excessiva, acreditem - Lágrimas Negras é um daqueles milagres discográficos pelos quais passamos o ano à espera, mas que só muito esporadicamente nos chegam às mãos.
A história começa com o filme Calle 54, de Fernando Trueba (uma espécie de réplica do Buena Vista Social Club, de Wim Wenders, mas centrado nos músicos cubanos exilados nos States). De regresso a Madrid, o cineasta terá mostrado o documentário ao «cantaor» cigano Diego El Cigala que, fascinado pela maestria rítmica e melódica de Bebo Valdés, o convidou para participar em três temas do seu disco Corren Tiempos de Alegria. A experiência revelou-se tão gratificante que logo decidiram reincidir com um novo disco, agora assinado a meias e composto por «clássicos» latino-americanos: boleros, tangos, rumbas e até uma bossa nova («Eu Sei que Vou Te Amar», da dupla Tom Jobim-Vinicius de Moraes, cantada com a colaboração de Caetano Veloso que diz um poema seu pelo meio da canção).
Ao mesmo tempo que o disco foi lançado um DVD duplo. O primeiro disco reproduz, a preto e branco, um concerto que teve lugar no dia 22 de Junho de 2003 em Costa Nord, perto de Maiorca, e entre as diversas mais-valias do DVD estão vários temas que não figuram no CD, nomeadamente alguns solos absolutamente notáveis do octogenário pianista. As melodias parece que florescem dos seus dedos. O seu «ataque» é de um delicadeza e elegância que já não se usa (improvisador notável, Bebo deixa que aflore no seu latin-jazz - tal como se praticava já nos anos 40 e 50 - citações de Granados, Albéniz ou Manuel de Falla). O segundo disco, intitulado La Cocina de Bebo y Cigala, contém um documentário de 58 minutos, dirigido por Carlos Carcas. Aqui se evoca a história desta colaboração, desde o dia em que Bebo e Cigala se conheceram até à gravação final de Lágrimas Negras, um dos melhores discos world publicados em 2004.