
A história das nossas vidas, começa de certo modo no dia em que os nossos pais se conhecem. No caso de Lila Downs, esse momento determinante teve lugar num bar da cidade do México, quando Allen Downs conheceu Anita Sánchez, uma bonita cantora índia mixteca que ali estava a actuar e se apaixonou perdidamente. O jovem professor de arte norte-americano tinha atravessado a fronteira para realizar um documentário sobre patos migradores. Era casado, mas acabou por ficar no México e, sete anos mais tarde, o documentarista e a cantora tiveram uma filha a que chamaram Lila. Por razões profissionais, Allen acabou por voltar para os Estados Unidos e levou a filha com ele, tendo Anita preferido ficar na sua terra, em Oaxaca. Desde então, Lila Downs não tem parado de atravessar a fronteira. Entre Oaxaca onde nasceu e o Minnesota onde foi criada, entre a cidade do México e Los Angeles, o seu coração nunca mais parou até hoje.
A história é longa e tem de ser resumida: quando tinha 16 anos, o pai morreu inesperadamente de ataque cardíaco e Lila foi ter com a mãe. Contudo, acabou por regressar para os Estados Unidos a fim de completar os seus estudos. Licenciou-se em antropologia, em 1991, quando já tinha optado por se tornar cantora. O seu repertório misturava «standards» do jazz com canções populares mexicanas quando, em 1993, conheceu Paul Cohen — um saxofonista da Costa Oeste que tocava numa orquestra de salsa — num clube de Nova Iorque chamado El Sol y la Luna. Rapidamente se tornaram companheiros de cama e de palco e ele encorajou-a a aprofundar a sua mestiçagem a nível musical.
A mãe sempre lhe dissera que, para uma cantora, tão ou mais importante que a voz ou a técnica, é o «sentimiento» com que se canta. Lila entendeu perfeitamente a «lição» quando um dia, em Oaxaca, uns vizinhos mixtecas lhe pediram encarecidamente para traduzir certidões de óbito que o governo dos Estados Unidos lhes enviara juntamente com os cadáveres dos seus filhos, emigrantes ilegais. As descrições que teve de ler em voz alta revelaram-se uma experiência emocionalmente arrasadora, que acabou por dar origem ao seu primeiro disco, Ofrenda, em 1994. Seguiu-se em 1996, Azuláo: En vivo com Lila Downs, mas foi preciso esperar por La Sandunga — um álbum onde mistura canções tradicionais com temas inéditos (publicado em 1999) —, para ela se impor verdadeiramente como uma das cantoras mais importantes do México actual. Seguiram-se Árbol de la Vida (2000), cantado em espanhol e mixteca e La Línea (2001), dedicado aos emigrantes mexicanos, onde ela recorre a instrumentos antigos e modernos, misturando influências do jazz, gospel e hip hop.
Em 2002, quando a realizadora Julie Taymor decidiu dedicar um filme à vida de Frida Kahlo, Lila Downs foi convidada, não apenas porque a sua maneira de se vestir, pentear e maquilhar evocam irresistivelmente a pintora, mas sobretudo porque ela é actualmente um verdadeiro ícone do México moderno, orgulhoso da sua herança cultural. Entre as várias canções que interpreta na banda sonora de Frida, está «Burn it Blue» composta e cantada a meias com Caetano Veloso e que lhe valeu um óscar para a melhor canção original. Nessa mesma banda sonora figura uma notável interpretação do incontornável «La Llorona». Lila afirma que é uma canção que não pode interpretar muitas vezes pois cada vez que o faz morre um pouco. «É como uma canção de amor à própria morte», afirma ela.
Os seus primeiros discos são difíceis de arranjar, mas quem quiser travar conhecimento com a sua obra pode começar por ouvir Una sangre, de 2004, onde ela revisita «clássicos» como «La Bamba» e «La Cucaracha» ou La Cantina, o sublime disco publicado em 2006 com a participação do lendário acordeonista Flaco Jimenez.